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The Economist: Retorno da doutrina Monroe é uma derrota para a América Latina

Escolha de nome de Trump para a presidência do BID mostra que líderes da região temem enfrentar americano

Por The Economist
Atualização:

Há apenas uma década, a América Latina parecia prestes a deixar sua marca no cenário mundial. Enriquecidos por um boom das commodities, enquanto regimes democráticos contribuíam para o progresso social, muitos governos da região se consideravam parte da ascensão do sul em um mundo multipolar. John Kerry, o secretário de Estado de Barack Obama, afirmou em 2013 que os Estados Unidos viam os seus vizinhos, agora autoconfiantes, como iguais. 

“A era da doutrina Monroe acabou”, declarou, referindo-se à advertência feita por um dos primeiros presidentes americanos às monarquias europeias para que se mantivessem fora do hemisfério ocidental, que gradativamente evoluía para a convicção de que os EUA eram a potência hegemônica das Américas.

Escolha de nome de Trump para a presidência do BID mostra que líderes da região temem enfrentar americano Foto: Carlos Jasso/Reuters

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A doutrina Monroe parece ter voltado no governo do presidente Donald Trump. Em 2019, John Bolton, então assessor de segurança nacional de Trump, proclamou que ela estava “bem viva” em um discurso em que prometeu derrubar as ditaduras da Venezuela e Cuba. Até o momento, os Estados Unidos não conseguiram, mas o seu ‘neomonroeismo’ obteve uma vitória. 

Assumirá a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), uma das grandes instituições financeiras internacionais que, embora sediado em Washington, está em mãos latino-americanas desde a sua fundação em 1959. No dia 12 de setembro, uma reunião virtual do conselho de governadores escolheu Mauricio Claver-Carone, um dos mais altos funcionários do governo Trump para a América Latina, para o cargo de presidente do banco.

Foi uma escolha controversa, e não apenas porque a sua eleição rompe com as anteriores. Até 2017, ele era um lobista contra o regime comunista de Cuba. Republicano conservador com uma experiência limitada em desenvolvimento econômico, é o principal arquiteto das sanções que o governo impôs à Venezuela. Ele insiste que será um presidente reformador e respeitará as posições do conselho de governadores. 

É razoável supor que se Trump conseguir um segundo mandato, em novembro, o BID se tornará um instrumento da política externa dos Estados Unidos. Claver-Carone compartilha das obsessões do seu patrono político, o senador Marco Rubio, da Flórida. Uma delas é a derrubada dos regimes cubano e venezuelano. A outra é tirar a China da América Latina.

Muitos latino-americanos gostariam de ver a democracia instalada em Cuba e na Venezuela e se preocupam com a influência chinesa. No entanto, seguramente não é do interesse da região permitir que tais preocupações se sobreponham a outras ou desviem o dinheiro do desenvolvimento de necessidades que se tornaram ainda mais prementes por causa da pandemia. Por estas razões, alguns governos – e muitos outros ex-líderes de maior destaque – se opuseram a Claver-Carone. Contudo, não conseguiram unir-se a fim de apoiar um candidato melhor qualificado; 23 dos 28 governos da região, como Brasil e Colômbia, curvaram-se à vontade de Trump.

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O fato de não poder mais chefiar uma das principais instituições internacionais assinala um dos piores acontecimentos para a América Latina. A região está se desintegrando. E a arrogância da esquerda latino-americana que estava no poder, há dez anos, deve ser em parte culpada. Hugo Chávez, na Venezuela, e Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, criaram programas de integração baseados no alinhamento político (e em um antiamericanismo mais ou menos explícito) em lugar de ater-se aos interesses nacionais. 

Os excessos da esquerda contribuíram para a polarização e o advento do seu oposto. Jair Bolsonaro, de extrema direita, presidente do Brasil, usou a vitória de Trump como modelo da sua, em 2018. O seu governo se alinhou servilmente ao do seu ídolo, em nome de uma convicção ideológica. Este parece também ser o caso de Iván Duque, o presidente da Colômbia, que se define como um moderado, mas em política externa não é absolutamente.

Outro fator é a fraqueza. A pandemia atingiu impiedosamente a região, após anos de estagnação econômica. Mitos presidentes não estão dispostos a assumir riscos. Andrés Manuel López Obrador, do México, um valentão no seu país, mas um covarde no exterior, inicialmente recuou e então travou um plano argentino que pretendia impedir o quórum na reunião de governadores a fim de frear Claver-Carone. López Obrador desconfia das instituições financeiras internacionais. 

Outros governos admitiram que Claver-Carone estava melhor colocado para aumentar o capital do BID, e portanto os seus empréstimos. São poucos os que querem enfrentar Trump. E preferem esconder-se nos bastidores do cenário mundial. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILA

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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