Comparado a outros países, o movimento de mulheres que organizou a greve geral nesta sexta-feira é único na Suíça, segundo uma de suas organizadoras Alexandrina Farinha, porque o país tem a igualdade entre sexos prevista na Constituição desde 1991, mas não prevê nenhum tipo de punição para seu descumprimento. Alexandrina é presidente da Comissão das Mulheres do Sindicato Unia e participou da organização da greve desde que ela foi concebida, há um ano. Em entrevista ao Estado, ela conta que a mobilização de hoje é "só o começo". "A luta vai continuar."
Qual sua participação nos protestos?
Participei da organização e mobilização desde o dia em que a greve foi decidia por cerca de 100 mulheres, em junho de 2018. Passamos um ano trabalhando para que esse dia (hoje) fosse possível.
Qual o tamanho da mobilização de hoje? Vocês esperavam pela grande adesão?
Ainda não temos números concretos, mas a adesão foi maciça em toda a Suíça. Foi bom ver a participação nessa greve ou dia de ações/protestos, como gostamos de nos referir. Esperávamos sim esse alcance porque na Suíça há muito a melhorar no que diz respeito aos direitos e proteção das mulheres.
O que torna o movimento da Suíça único comparado a outros?
O movimento da Suíça é único porque de fato a igualdade entre os sexos já está prevista na Constituição desde 1991, mas os legisladores não previram sanções para o não cumprimento, o que faz com que seja igual a zero. Uma das principais reivindicações de hoje é que sejam previstas sanções para o não cumprimento da igualdade prevista na Constituição.
Como o problema da desigualdade afeta sua vida diretamente?
Sou portuguesa e trabalho para o Estado português. Não me afeta quase nada em termos práticos, mas tenho filhos e filhas que são cidadãos suíços. Honestamente, gostaria que meus filhos, especialmente minhas filhas, nunca tivessem de passar por certas situações como a de ser demitida após regressar ao trabalho depois da licença- maternidade, por exemplo. Ou que tenham de passar a trabalhar meio período para poder cuidar dos filhos, já que a conciliação da vida profissional e familiar é quase impossível (no país).
Isso acontece muito (demissões após licenças)?
Todos os dias.
Por que as mudanças acontecem tão lentamente na Suíça?
A sociedade suíça é muito machista. E, depois, as forças conservadores de direita tem ganhado terreno e impedindo a melhoria de vida dos menos favorecidos, incutindo medo nas populações.
Então também está ligado ao avanço dos grupos de direita?
Sim, está. Do contrário, como é que se explica o fato de, num país onde se pratica a democracia direta, a população votar contra um salário mínimo suficiente para cobrir o custo de vida? É o medo de perder o pouco que se tem.
Acredita que haverá uma sensibilização dos políticos?
O poder político tem de dar uma resposta ao que aconteceu hoje. Isso foi o começo, a luta vai continuar. Havia muitos jovens, tivemos algo hoje nunca visto na Suíça.
Como os grupos se organizaram?
Sou presidente da Comissão das Mulheres do (Sindicato) Unia e Região de Genebra e presidente da Comissão Nacional das Migrações. Na mobilização das mulheres, foi montada uma coordenação nacional, depois regional, depois por cidades e, por fim, por bairros. No nosso sindicato, o maior da Suíça, criamos nosso próprio coletivo. Temos cerca de 300 mil membros no Coletivo Feminista, no qual uma parte substancial é de imigrantes, incluindo portugueses, espanhóis, brasileiros, italianos. O Coletivo Feminista vai continuar. Agora, vamos ver a reação do poder político. No mais tardar segunda-feira, devemos ter reações oficiais. Mas estamos preparadas para tudo.