PUBLICIDADE

Tomada de poder do Taleban aumenta a pressão sobre o Paquistão e outros vizinhos

Os Estados Unidos e outros países querem que o Paquistão faça um esforço maior pela paz, mas muitos paquistaneses veem a vitória do Taleban como inevitável

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

O Taleban invadiu Cabul e tomou o poder no Afeganistão. A cada vitória, líderes do vizinho Paquistão são cobrados cada vez mais.

Por décadas, o Paquistão serviu como refúgio para o Taleban afegão, que com frequência e facilidade cruzou a acidentada fronteira de mais de 2,6 mil quilômetros para o território paquistanês sempre que viu necessário. Autoridades reconhecem que combatentes do Taleban mantêm lares e famílias no Paquistão, a uma distância segura dos campos de batalha.

O ministro da Defesa da Turquia, Hulusi Akar, à direita, e os principais comandantes do exército verificam a fronteira com o Irã em Van. O presidente turco diz que seu país trabalhará pela estabilidade no Afeganistão junto com o Paquistão, em a fim de conter uma onda crescente de migração em meio à ofensiva nacional do Taleban. Foto: Turkish Defense Ministry via AP, Pool

PUBLICIDADE

Agora que os militares americanos declararam encerrada sua participação na guerra afegã, quando parece cada vez mais que o Taleban conseguirá reconquistar o país, Washington está pressionando o Paquistão para chegar a um acordo negociado.

Enquanto manifesta para a comunidade internacional apoio a uma solução pacífica, porém, o governo do primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, está mais silencioso dentro de casa — não demonstrou nenhuma oposição a manifestações pró-Taleban em seu país, nem condenou atrocidades atribuídas ao grupo durante sua marcha a Cabul.

A razão: um grande número de paquistaneses, incluindo comandantes militares, descrevem a vitória do Taleban como algo inevitável. Alguns, incluindo ex-oficiais, torcem publicamente por isso.

Mas a queda do governo do Afeganistão também ocasionaria riscos para o Paquistão, incluindo uma possível onda de refugiados e um impulso aos movimentos jihadistas que têm o governo paquistanês como alvo de seus ataques.

“O Paquistão está realmente amarrado”, afirmou Elizabeth Threlkeld, especialista no Sul da Ásia do Stimson Center, em Washington. “Apesar de o Paquistão se preocupar bastante com o transbordamento da violência e o fluxo de refugiados, quer manter o Taleban ao seu lado.”

Publicidade

Em entrevista ao The New York Times, em junho, Khan afirmou que o Paquistão usou “o máximo de sua influência sobre o Taleban”.

Autoridades paquistanesas negam ter ajudado militarmente o grupo, insistindo que, durante negociações em Doha, no Catar, pressionaram fortemente por conversas de paz com o Taleban. Publicamente, os paquistaneses ecoaram a linha adotada pelos EUA e outros atores em relação ao acordo alcançado em Doha, alertando que o Afeganistão se tornaria um Estado-pária se o Taleban o conquistasse à força.

Mas o Paquistão detém um nível de influência que não está exercendo, afirmam no exterior autoridades paquistanesas. O governo ainda permite que líderes talebans se movimentem livremente através das fronteira do país, que continua a servir como um porto-seguro onde combatentes e suas famílias conseguem assistência médica, afirmam as autoridades paquistanesas.

Alguns críticos, particularmente no Afeganistão, acusam o Paquistão de apoiar ativamente a ofensiva do Taleban, afirmando que os insurgentes não conseguiriam ter organizado esse enorme esforço militar sem ajuda. Nas redes sociais, a campanha com a hashtag#SanctionPakistan (sancionem o Paquistão) tem ganhado popularidade dentro do Afeganistão e entre a diáspora afegã.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Autoridades em Islamabad, a capital do Paquistão, afastam a ideia de que sejam capazes de influenciar o Taleban. Mas o secretário de Estado americano, Antony J. Blinken, afirmou durante viagem à Índia, no mês passado, que o Paquistão deve “fazer tudo o que puder para garantir que o Taleban não tome o Afeganistão à força”.

O representante especial dos EUA para a reconciliação no Afeganistão, Zalmay Khalizad, afirmou este mês que o Paquistão tem uma responsabilidade especial sobre o tema em razão da quantidade de líderes talebans que residem dentro de suas fronteiras — e que o país seria “julgado internacionalmente” a respeito de ter ou não feito tudo o que pôde para promover um acordo político.

A tolerância do Paquistão a respeito do Taleban cobrou seu preço diplomático. O arquirrival do país, a Índia, que atualmente ocupa a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas e também busca exercer influência sobre o Afeganistão, afirma que apoio logístico, técnico e financeiro ao Taleban continua a emanar o Paquistão. O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, afirmou em uma conferência em Tashkent, no Uzbequistão, que 10 mil jihadistas atravessaram a fronteira afegã a partir do Paquistão para se juntar à ofensiva — o que o primeiro-ministro paquistanês negou com convicção.

Publicidade

Após o Taleban tomar o controle de Cabul, cidadãos afegãos presos cruzam a fronteira Paquistão-Afeganistão. 

Reservadamente, porém, autoridades paquistanesas afirmam que têm pouco poder para impedir afegãos que vivem no Paquistão de cruzar a fronteira para lutar ao lado do Taleban.

Líderes do Paquistão também podem estar apreensivos em relação ao impacto que uma vitória do Taleban poderia ter sobre a insurgência em seu país. O Taleban paquistanês, ou TTP, um grupo terrorista proscrito, realizou centenas de atentados contra forças de segurança e civis paquistaneses, incluindo um ataque contra uma escola em 2014 que deixou pelo menos 145 mortos, em sua maioria crianças.

Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Até o ano passado, o TTP parecia estar arruinado. Vários de seus líderes foram mortos por ataques de drones dos EUA. O grupo sofreu uma cisão interna. Um cerco sistemático das autoridades paquistanesas empurrou o grupo para o Afeganistão.

Somente no mês passado, porém, o TTP assumiu a autoria de pelo menos 26 atentados terroristas no Paquistão. Na quinta-feira, o governo paquistanês acusou o grupo de estar por trás de uma explosão em uma usina hidroelétrica que matou nove trabalhadores chineses e outros quatro funcionários, em julho, uma acusação que TTP nega. O líder do grupo, o mufti Noor Wali, descreveu a vitória do Taleban afegão como uma vitória de todos os muçulmanos.

“Os recentes avanços do Taleban no Afeganistão sem dúvida levantaram a moral do TTP e aumentaram a força do grupo”, afirmou Aftab Khan Sherpao, ex-ministro do Interior paquistanês que sobreviveu a três atentados suicidas do TTP.

“Isso é só o começo”, afirmou ele. “Haverá um aumento nos atentados terroristas e isso estará ligado ao avanço do Taleban no Afeganistão.”

Alguns ex-integrantes das forças armadas paquistanesas não escondem seu apoio ao Taleban afegão.

Publicidade

Ghulam Mustafa, um tenente-general reformado e analista militar, descreveu recentemente a insurgência do Taleban como “uma luta de proporções épicas”, que resultará na “destruição do modo de vida do chamado ‘mundo livre’”.

Shafaat Shah, outro ex-tenente-general, afirmou ser favorável à “célere justiça” do Taleban, em comparação ao moroso Judiciário paquistanês.

Essas palavras podem não refletir as visões dos líderes mais graduados do Paquistão, mas sugerem que a posição do Taleban no país se fortaleceu.

“Não considero que a euforia demonstrada por alguns ex-comandantes militares reflita uma inclinação das forças armadas enquanto instituição que apoia o Taleban”, afirmou o ex-diplomata paquistanês Asif Durrani.

“Contudo, também é verdadeiro que o Taleban provou sua valentia e emergiu como um formidável ator, devidamente reconhecido pelos países vizinhos e outros importantes governos, incluindo Washington”.

A situação afegã complicou novamente a relação entre Paquistão e EUA. Moeed Yusuf, conselheiro de segurança nacional paquistanês, e o tenente-general Faiz Hameed, diretor de inteligência, visitaram Washington recentemente para discutir a conjuntura do Afeganistão. O Paquistão declarou que não permitirá aos americanos usar bases no país para nenhum tipo de ação militar contra o Taleban.

“A relação Paquistão-EUA está passando por uma fase complicada”, afirmou Durrani.

Publicidade

Mas, segundo Elizabeth Threlkeld, do Stimson Center, o Paquistão pode estar disposto a aceitar o opróbrio da comunidade internacional, como também o agravamento da violência e aumento de refugiados em troca de uma maior influência em Cabul.

Uma posição mais cordial com relação ao Taleban também aumentará a popularidade de Khan em seu país. Muitas pessoas no Paquistão consideram os militantes do Taleban defensores do islamismo que estão derrotando os intrusos estrangeiros.

Quando o Taleban capturou o estratégico posto de fronteira de Spin Boldak, no mês passado, islamitas e estudantes realizaram uma enorme concentração comemorativa na cidade paquistanesa de Quetta.

Nas mesquitas ao longo da fronteira, muitas delas frequentadas por famílias afegãs que fugiram para o Paquistão, os pregadores pediram aos fiéis para orarem pelos combatentes do Taleban e doarem dinheiro para a sua causa. Autoridades afegãs afirmam que o grupo encontra uma rica base de recrutamento nessas mesquitas e nas escolas religiosas do Paquistão, o que é negado pelas lideranças paquistanesas.

Alguns parlamentares pequineses consideram o Taleban um aliado útil contra a ameaça de potências estrangeiras e também do terrorismo local. Segundo as autoridades, "elementos anti-Paquistão” estão financiando pelo menos duas dezenas de milícias que operam ao longo da fronteira.

“O Taleban está assumindo o papel de muro de proteção para o Paquistão”, disse Mufti Abdul Shakoor, membro do Partido Islâmico, no Parlamento no mês passado.

A última vez que o Taleban governou o Afeganistão, de 1996 a 2001, dezenas de milhares de refugiados fugiram para o Paquistão. Prevendo agora uma tomada do poder pelo Taleban, as autoridades paquistanesas erigiram cercas ao longo dos 2.400 quilômetros da fronteira que separa os dois países.

Publicidade

Mas essa fronteira continua frágil – para os que pretendem se juntar ao Taleban, mas não para os que querem fugir dele.

Khan Nazar, refugiado afegão em Karachi, disse que a família do seu irmão, de sete pessoas, fugiu de Kunduz quando o grupo assumiu o controle da principal entrada da cidade, no final de julho. “Desta vez, ao que parece será difícil para eles atravessarem a fronteira”, disse Nazar. 

Temor de outros vizinhos

Durante grande parte dos últimos 20 anos de conflito e envolvimento militar da OTAN, os vizinhos do Afeganistão evitavam o país ou se intrometiam na busca de seus próprios interesses. Mas agora, com a tomada total por um grupo islâmico radical com uma reputação de maus feitos, os vizinhos do país começam a temer. 

“Todos os vizinhos do Afeganistão já aceitaram a tomada do poder do Taleban”, disse à Economist Umer Karim, do Royal United Services Institute, um centro de estudos em Londres. “O problema é que, embora poucos na região gostem de ter o Taleban agindo, eles não conseguem chegar a um acordo sobre o que fazer a respeito. Em vez disso, cada um dos vizinhos está se posicionando cuidadosamente para tirar vantagem da situação”.

Além do Paquistão, o Irã compartilha outra longa fronteira com o Afeganistão, tem uma relação mais tortuosa com o Taleban. Seus líderes gostaram de ver a derrota dos Estados Unidos. Mas, como muçulmanos xiitas que veem sua própria revolução islâmica como um movimento modernizador - as mulheres podem estudar, trabalhar e ocupar cargos no Irã, desde que usem o véu - eles olham com desconfiança para o fanatismo sunita do Taleban. 

Atolado por décadas com refugiados carentes e heroína barata do Afeganistão, o Irã também está preocupado com um novo influxo, particularmente de hazaras, uma minoria étnica xiita que o Taleban perseguiu cruelmente no passado. Com pouca influência sobre o Taleban, o Irã provavelmente dará apoio às milícias afegãs locais na região da fronteira, que recentemente repeliram um ataque do Taleban à cidade de Herat.

Publicidade

Outros três vizinhos menores da Ásia Central, Tajiquistão, Usbequistão e Turcomenistão, estão na pior situação. Radicais islâmicos de todas as três ex-repúblicas soviéticas se refugiaram no Afeganistão. Com toda a fronteira agora nas mãos do Taleban, eles temem que alguns militantes se infiltrem de volta. Todos os três países abraçaram laços militares mais estreitos com a Rússia. Para ressaltar a influência regional renovada e alertar o Taleban, as forças russas empreenderam na semana passada manobras conjuntas em grande escala com tropas tadjiques e uzbeques ao longo de suas fronteiras afegãs./ Tradução de Augusto Calil

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.