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Tráfico de heroína e ópio sobrevive aos ataques

Por Agencia Estado
Atualização:

A poeirenta Chaman, cidade paquistanesa na fronteira entre Paquistão e Afeganistão, transformou-se na principal porta de entrada dos refugiados afegãos que fogem dos ataques liderados pelos EUA contra os postos militares do Taleban e as bases do grupo terrorista Al-Qaeda (A Base), chefiado pelo saudita Osama bin Laden. Próxima de Kandahar, quartel-general do Taleban, Chaman é também um ponto importante do tráfico de heroína e ópio produzidos no Afeganistão. Mas os ataques contínuos às cidades afegãs e a forte presença militar paquistanesa na fronteira estão mudando a rota do comércio ilegal. Plantações de papoula, a matéria-prima comum dessas drogas, podem ser encontradas a algumas dezenas de quilômetros da cidade na direção de Kandahar, e esse cultivo é tolerado - e taxado com impostos diretos - pelos integristas muçulmanos talebans que controlam quase todo o Afeganistão. "Não é segredo para ninguém que não só o Taleban, mas também todos os senhores da guerra que combatem no Afeganistão são financiados em grande parte pelos lucros obtidos com o tráfico da heroína", disse à Agência Estado um ex-funcionário do serviço de inteligência do Paquistão. "Por isso o esforço dos EUA de congelar ativos do Taleban no exterior é pouco produtivo no sentido de estrangular financeiramente a milícia. O tráfico de heroína pode suprir os mujahedines (combatentes islâmicos) de armas, munição, alimentos etc." O assunto é tratado sem muita cerimônia em Chaman. Muitos dos habitantes locais estão preocupados em saber até que ponto os bombardeios liderados pelos americanos vão influenciar o tráfico da heroína. Há algumas semanas, o ponto de saída da droga transferiu-se de Chaman para locais menos vigiados da fronteira, como as áreas tribais autônomas da região paquistanesa do Baluchistão. De lá, a droga é levada para o porto de Karachi e se espalha por grande parte dos países da Ásia Central antes de chegar à Europa e aos EUA. Alguns habitantes de Chaman e Quetta temem também a pressão internacional sobre um eventual futuro governo afegão para erradicar a produção da papoula. E explicaram à AE que a intensificação do tráfico ocorreu no fim dos anos 80, na fase final da ocupação soviética. Obedeciam a uma logística simples: os burros, camelos e caminhões que deixavam Peshawar e Quetta carregados de armas e munições para suprir os mujahedines afegãos voltavam vazios para o Paquistão através da fronteira deliberadamente desmilitarizada. Diante da facilidade de transporte, passaram a voltar para o território paquistanês com centenas de quilos, e depois toneladas, de drogas. "As plantações de papoula são a fonte de sustento de muitas famílias de afegãos e o fim delas causaria mais fome e mais pobreza", afirmou à AE um afegão que vive em Chaman desde a invasão soviética, em 1979. "Os russos destruíram vários hectares de cultivo da papoula e isso fortaleceu a resistência afegã contra eles. Os afegãos são gratos ao Taleban por tê-los expulsado e por terem ganhado de novo a oportunidade de trabalhar em seus campos. O tipo de solo do Afeganistão não permite a substituição por outro tipo de cultivo." A infertilidade do solo afegão - estudos da ONU estimam que apenas entre 10% e 12% do território do Afeganistão é de terras cultiváveis - agrava o problema da substituição das plantações de papoula. Um programa de renovação de cultivo - nos moldes dos que se desenvolvem para erradicar a plantação de coca na região do Chapare, na Bolívia, ou no interior da Colômbia - teria chances remotas de sucesso no Afeganistão. "A terra é muito arenosa para produzir qualquer outra coisa que não seja a papoula", explicou o afegão. Os pashtus de Chaman esclarecem, porém, que, embora o Taleban demonstre complacência em relação à produção da heroína, esta não se estende ao seu consumo. Os viciados afegãos, quando são flagrados consumindo ou sob evidente efeito da droga, são presos e internados em "clínicas", nas quais são torturados fisicamente até que larguem o vício. O haxixe, cuja matéria-prima também era produzida no Afeganistão antes de o Taleban chegar ao poder, acabou banido pela milícia islâmica por causa do alto grau de viciação dos afegãos a essa droga. Segundo dados do Programa de Controle de Drogas das Nações Unidas (UNDCP, pelas iniciais em inglês), o Afeganistão produz 80% da heroína consumida na Europa e 50% da droga consumida em todo o mundo. Entre 1992 e 1997, o Afeganistão também produziu uma média de 2.300 toneladas de ópio a cada ano, chegando a ameaçar a posição da Birmânia de maior produtora mundial dessa droga. O UNDCP apurou que os produtores da papoula do Afeganistão recebem em média US$ 1.500, uma pequena fortuna para os padrões afegãos, a cada safra anual de aproximadamente 45 quilos do produto. A heroína ou o ópio processado chega ao consumidor final, na Europa ou nos EUA, com esse valor multiplicado pelo menos 50 vezes. Só os impostos indiretos gerados pelo tráfico alimentam o Taleban com pelo menos US$ 20 milhões por ano - uma porção significativa do Produto Interno Bruto do Afeganistão. Até 1998, o Taleban vinha oferecendo à ONU a erradicação dos plantios de papoula em troca de ser reconhecido internacionalmente como governo legítimo do Afeganistão. As negociações, no entanto, não avançaram. Em Chaman, muitos moradores atribuem à máfia russa o papel de principal atravessador do tráfico de drogas provenientes do Afeganistão. Mas grupos paquistaneses, que incluem policiais e militares, também lucram muito com o tráfico, segundo a DEA, a agência antidrogas de Washington. Em 1999, os EUA incluíram o Paquistão na lista negra de países que não colaboram com a política antidrogas de Washington por causa da falta de rigor de Islamabad no combate ao comércio da heroína produzida no Afeganistão. O governo paquistanês só não sofreu as conseqüentes sanções do governo americano porque acabou conquistando a "certificação" de Washington por "razões de segurança nacional". Leia o especial

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