Tráfico é ameaça maior ao Paraguai que guerrilha, diz senador alvo de atentado

Robert Acevedo disse à BBC Brasil que fronteira é 'zona franca do narcotráfico'.

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Por Caio Quero
Atualização:

Pouco mais de uma semana depois do atentado que matou seu motorista e seu segurança particular, o senador paraguaio Robert Acevedo ainda se recupera dos ferimentos em sua casa, que fica na cidade de Pedro Juan Caballero, próximo à fronteira com o Brasil. Ex-governador do Departamento (Estado) de Amambay, Acevedo ganhou notoriedade na região por denunciar supostos traficantes de drogas por meio de um programa de rádio. Em entrevista concedida à BBC Brasil em sua casa - que agora encontra-se guardada por policiais fortemente armados- o senador afirmou que o narcotráfico é uma ameaça muito maior ao país que o grupo guerrilheiro EPP (Exército do Povo Paraguaio), cuja atuação motivou a imposição do estado de exceção em cinco regiões paraguaias, entre elas Amambay. Classificando a guerrilha como um "jogo de crianças", Acevedo diz que a fronteira se tornou uma "zona franca para o narcotráfico" e afirma que quadrilhas brasileiras atuam na região. Ele também alerta que grupos de traficantes já estão conseguindo eleger políticos no Paraguai. Acompanhe agora a entrevista concedida pelo senador paraguaio à BBC Brasil. BBC Brasil - Como está a sua recuperação depois do atentado? Robert Acevedo - Estou melhor de saúde, estou me recuperando bem, mas não do golpe deste atentado, que foi muito grave na parte sentimental, porque perdi dois amigos que estavam comigo há muito tempo trabalhando, então não consegui me recuperar O governo está me dando mais segurança, mas, mesmo assim, é tudo muito perigoso, porque estamos contra um grupo, ou vários grupos muito poderosos, do narcotráfico internacional, que estão dominado esta região e que são difíceis de combater. Tem que haver uma união dos dois países para poder combater esse flagelo que está cada vez mais poderoso, inclusive já enfrentando o próprio Estado, e se considerando mais poderoso que o próprio governo. BBC Brasil - O senhor não pensa em sair de Pedro Juan Caballero por um tempo? Acevedo - A minha família está com medo e estou pensando em uma solução para isso, porque é difícil para eles conviver nesta situação, já não dá mais para morar aqui. Mas eu acho também que sair correndo vai ser uma derrota para a sociedade e para mim. O que eu quero ressaltar é que estamos lidando com um monstro de sete cabeças. BBC Brasil - Qual deve ser o papel do Brasil em relação à violência na fronteira, em sua opinião? Acevedo - Não só o Brasil, mas também o Paraguai (tem que atuar). Eu acho que o Brasil deve dar mais importância a essa região, porque aqui é o lugar por onde entra a maior quantidade de drogas para o mercado brasileiro - tanto de maconha, quanto de cocaína - e são muito poucos os efetivos policiais nesta região, que é uma região de fronteira seca de 400 quilômetros. Então, eu acho que o Brasil, além de combater o tráfico no Rio e em São Paulo, nas favelas, tem que dar uma apertada aqui nesta região, que é por onde entram as drogas. O que aconteceu foi o seguinte, quando o Brasil fez a Lei do Abate (que entrou em vigor em 2004), eles começaram a trazer a droga da Bolívia, Colômbia e Peru em aviões para esta região, e daqui eles entram em carros para o Brasil, para os aviões não serem derrubados. Isto fez com que essa região recebesse novos 'moradores', que são do Brasil, novos traficantes, que vêm e estão gerando esta violência toda que estamos sofrendo, tráfico, lavagem de dinheiro. Isso aqui virou uma zona franca do narcotráfico. E o Brasil também está sofrendo, pois é daqui que sai a maior quantidade de droga que o Brasil está consumindo hoje. BBC Brasil - O senhor acha que o estado de exceção imposto pelo governo do presidente Fernando Lugo pode ajudar a combater o tráfico aqui em Pedro Juan Caballero? Acevedo - O estado de exceção foi decretado mais devido ao EPP (Exército do Povo Paraguaio), que é um grupo terrorista que está atuando mais no interior do Paraguai, não nas faixas de fronteira. Eles (do EPP) têm até medo dos traficantes. Eles não vêm para este Departamento (de Amambay) justamente porque sabem que aqui vão ser mortos pelos traficantes. O EPP é um jogo de crianças comparado ao poder que tem o narcotráfico aqui neste Departamento BBC Brasil - O senhor acha que o narcotráfico é uma ameaça maior ao Paraguai que o EPP? Acevedo - Muito maior, pelo poder econômico, pelos danos, pela violência. Esta (Pedro Juan Caballero) é uma das cidades mais violentas do mundo, com mortes quase todo dia. É uma cidade que já não tem lei, porque eles (os traficantes), com o poder econômico incalculável que têm, compram juízes, policiais, tudo. Já não há segurança, o Estado de Direito já não existe aqui. Além disso, há um dano na economia, causado pela lavagem de dinheiro. Há também um dano para a própria democracia, porque eles estão investindo muito em políticos e candidatos, elegem candidatos. Também há a nossa fama, a fama que temos hoje é a pior que pode ter uma cidade. Dá vergonha de falar que é de Pedro Juan Caballero se você vai para Assunção ou outro lugar. Eles (os traficantes) são muito poderosos, capazes de matar qualquer pessoa que esteja na frente para continuarem com o tráfico, seja quem for, seja até presidente. BBC Brasil - O senhor acha que o tráfico aqui é comandado por brasileiros ou tem uma participação deles? Acevedo - Paraguaios e brasileiros. Os brasileiros são mais poderosos até. Esses grupos organizados do Brasil que fazem muito estrago em São Paulo e no Rio também já estão aqui, e já há paraguaios que são integrantes desses grupos brasileiros. Mas eles mais servem para levar a mercadoria e para fazer o trabalho sujo de matar e de proteger os grandes narcotraficantes. Servem como um Exército, e isto já se instalou aqui e estão ameaçando muita gente. BBC Brasil - Existe em sua opinião a possibilidade de o EPP virar uma espécie de Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), com ligações com os narcotraficantes? Acevedo - O EPP é um problema para os traficantes grandes, porque chama atenção. O negócio deles (traficantes) é outro, não sequestro. O EPP faz um sequestro a cada ano e ganha US$ 500 mil. O tráfico ganha US$ 500 mil em um só dia. Se o EPP aparecer neste Departamento, estou seguro que não vai durar três dias. BBC Brasil - A questão da violência na fronteira pode criar um problema na relação entre os dois países? Acevedo - Não, ao contrário. Eu acho que há muita disposição de ambos os governos de continuar nesta luta contra o tráfico. Isto (o atentado) uniu as forças. Eu senti muito apoio das forças brasileiras, do Ministério Público do Brasil, da Polícia Civil, da Polícia Federal. Então, eu acho que, apesar de ser um fato negativo, teve uma repercussão no sentido de unir as forças. Eles (os governos) estão preocupados com este fato, pois (o atentado) mostra que o poder deles (traficantes) chegou muito alto, e a violência e a ousadia chegaram a um ponto que nunca havia sido alcançado. Os governos estão conscientes de que se não houver união entre os dois países, será pior. BBC Brasil - O senhor disse que o tráfico já está elegendo autoridades, entrando na política. Como isto está acontecendo? Acevedo - Faz tempo que estamos disputando eleições onde nosso maior adversário político não são os políticos, mas o dinheiro do narcotráfico. Eles já elegeram vereadores, deputados no Paraguai. A qualquer momento vão eleger governadores e, por que não, com esse poder todo de dinheiro, eles podem financiar até uma candidatura a presidente. BBC Brasil - Na última segunda-feira, o ministro da Justiça do Brasil afirmou que não via indícios de que os dois brasileiros presos acusados pelo atentado contra o senhor tenham ligação com o PCC. Por que o senhor acredita que eles possam estar envolvidos com esta facção? Acevedo - Estes dois brasileiros que foram presos naquela ocasião, eu tenho minhas dúvidas, eu não acho que foram eles. Mas tem gente deste grupo que você citou, sim, tem. Como eu já falei, são pessoas que vivem nesta cidade para fazer este tipo de serviço, estão às ordens dos grandes chefes. Muitos do PCC foram pegos aqui. Muitos a pedido da Polícia Federal brasileira. Esta é uma realidade que todo mundo aqui sabe, isto não dá para negar. BBC Brasil -Quais são as políticas que, em sua opinião, o Brasil e o Paraguai deveriam adotar para acabar com o narcotráfico na fronteira? Reforçar o policiamento? Acevedo - Reforçar o policiamento não vai adiantar nada. Tem que ser feito um trabalho de inteligência, de controle aéreo. E o Paraguai não tem radar. Dizem que os próprios narcotraficantes subornam as autoridades para que não haja um radar para os aviões que estão entrando no Paraguai. Também as instituições tem de ser fortalecidas, o Poder Judiciário, a polícia. É muito fácil subornar um policial que tem pouco dinheiro, e eles (os traficantes) têm dinheiro em malas, calculam que eles movimentam mais de US$ 50 milhões por mês só nesta cidade. É grande. BBC Brasil -O Brasil deveria ajudar mais o Paraguai neste sentido? Acevedo - O Brasil está ajudando, mas também nós não podemos depender do Brasil. O próprio governo paraguaio tem que ter mais responsabilidade nisso. Porque os que estão sofrendo somos nós, os paraguaios. Os dois países tem que trabalhar juntos. Ter uma seriedade nesta luta, não somente nos papéis, nos convênios. E há provas de que quando se fez isso, houve bons resultados, mas é que hoje eles (os traficantes) se fortaleceram tanto que está difícil. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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