Três eleições, um país

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Como é a voz de Henrique Capriles?, perguntou-me um vizinho há alguns dias. Não soube responder se era aguda ou firme, suave ou enérgica, pois os meios de comunicação cubanos procuraram não transmiti-la. Em seu lugar, só tivemos a possibilidade de escutar a gritaria agitada de Hugo Chávez, os ataques verbais que lançou contra seu jovem adversário. Nossa imprensa oficial cerrou fileiras em torno do atual inquilino de Miraflores. Na ocasião do desmembramento da União Soviética e da conversão dos países da Europa do Leste, a perda dos subsídios soviéticos e dos aliados políticos do bloco socialista fizeram Cuba mergulhar numa profunda crise material e diplomática. Mas até no interior do país o controle exercido pelo fidelismo mostrava ser sólido, - e obstinado - capaz de suportar o golpe. Hoje, mais de duas décadas depois da queda do Muro de Berlim, pouco resta daquele fervor, daquela vontade pertinaz que a crise do período especial nos apresentou como sendo um sacrifício necessário, uma prova de determinação ideológica. A perda do apoio econômico que chegava do Kremlin obrigou Fidel Castro a permitir o trabalho por conta própria, o aluguel de imóveis, o despertar do mercado livre camponês, o investimento estrangeiro, a abertura da ilha ao turismo internacional e a dolarização. A chegada de Hugo Chávez ao poder em 1999 foi um elemento chave para frear parte dessas reformas. Com um sócio tão poderoso e próximo que presenteava com petróleo a mãos cheias, para que continuar um processo de flexibilização que redundaria em perda de poder? Anos depois Raúl Castro retomaria o caminho da abertura econômica do qual seu irmão recuara. E o faria desta vez apoiado no subsídio venezuelano, que lhe permitiu implementar com total indiferença e lentidão algumas poucas mudanças. Creio que talvez num certo momento a entrega de terras em usufruto ou a ampliação de licenças para os autônomos permitiria a Cuba dar seus primeiros passos na direção da autonomia econômica. Ou talvez sempre soube que esse tipo de dependência quando se estabelece acaba por se tornar crônica. Mais do que uma conjuntura, a necessidade do subsídio externo faz parte da essência do castrismo, fruto direto da sua incapacidade para gerir acertadamente a economia nacional. Com os venezuelanos confirmando Hugo Chávez como presidente, o raulismo pode respirar. Mas a elevada polarização em que ficará a pátria de Bolívar tornará mais difícil para a Venezuela sustentar publicamente a manutenção de Cuba. Já não será a mesma coisa. Além disso, o evidente colapso físico de Fidel Castro é algo que se comenta em todo o país. Sua última breve e delirante reflexão foi publicada na imprensa nacional em 19 de junho. Meses complicados se aproximam para o governo de Havana. A eleição na Venezuela foi a primeira de um ciclo de três escrutínios que influirão na vida nacional. A eleição presidencial nos EUA é a segunda. Mitt Romney prevê pulso de ferro com as autoridades cubanas, mas Barack Obama também pode acabar sendo muito corrosivo para o sistema cubano se prosseguir com sua política de aproximação cultural, de famílias e de acadêmicos. O primeiro mandato de cinco anos de Raúl Castro terminará em fevereiro de 2013. Poucos apostam que ele está pensando em se retirar para dar lugar a uma figura mais jovem. Esta eleição, a terceira que aguardamos nos próximos meses, é também a última em termos de importância e expectativa gerada. Já teve início o processo de nomeação de delegados do Poder Popular que será concluído na obediente Assembleia Nacional e aprovará a candidatura para o Conselho de Estado. Se nas urnas venezuelanas será decidido um subsídio de bilhões de dólares para nós e nas eleições americanas está em jogo a relação desta ilha com o poderoso vizinho do norte, o resultado das eleições cubanas já foi cantado de antemão. Nem é preciso pesquisas ou sondagens sobre a intenção de voto. Não existe possibilidade de uma surpresa. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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