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Tribunal absolve escritora acusada de "insultar os turcos"

Os juízes alegaram uma notória "insuficiência de provas"

Por Agencia Estado
Atualização:

A escritora e jornalista Elif Shafak foi absolvida na manhã desta quinta-feira, na primeira audiência do processo pela acusação de ter ofendido a identidade turca, informaram fontes locais. Ela foi enquadrada no artigo 301 do novo Código Penal, que prevê prisão de até três anos para pessoas que insultarem o povo ou a República da Turquia. A acusação é baseada em uma frase de um personagem fictício de novela sua, que definia como "carniceiros" os turcos que participaram do massacre dos armênios em Anatolia, entre 1915 e 1916. Foi constatado que não existe nenhuma prova de que Safak tenha cometido algum crime ao escrever o romance "O pai e o bastardo", e por isso o tribunal a declarou "inocente". O livro conta a história de duas famílias, uma turca e outra armênia e alguns personagens qualificam os turcos de "açougueiros" e dizem que "procederam da Ásia Central e massacraram os armênios". Os juízes do tribunal de Istambul estabeleceram imediatamente, na própria abertura do processo, que no caso Shafak "não recorrem os elementos jurídicos" do crime previsto no artigo 301 do código penal e que ocorria uma notória "insuficiência de provas". Esta foi a primeira vez que a partir do artigo 301 foi solicitada a aplicação por uma frase dita por um personagem fictício de um romance. Esta mesma lei serviu de base este ano para as acusações contra o escritor Orhan Pamuk (depois absolvido) e o publicitário armeno Hrant Dink (condenado a seis meses de prisão). O processo contra Elif Shafak provocou também um grande debate na Turquia sobre o artigo 301 do código penal, cuja anulação foi pedida pela União Européia exatamente porque pode ser utilizada para perseguir potencialmente qualquer opinião crítica sobre qualquer autoridade ou instituição turca. Em especial os jornalistas e analistas liberais e laicos turcos se juntaram ao pedido da UE de revogação total do artigo. O governo de Ancara, formado pelo partido de raízes islâmicas AKP, também se opõe, por temer as reações dos nacionalistas e o atual crescimento do apoio ao partido nacionalista MHP. No entanto, o próprio governo anunciou que nenhuma modificação do artigo 301 está na agenda da sessão do parlamento atual, que deverá aprovar o 9º pacote de reformas visando a entrada na União Européia. A escritora não estava presente na audiência porque no sábado passado deu à luz uma menina. Resultado bem recebido A Comissão Européia (CE) elogiou nesta quinta-feira a decisão do tribunal de Istambul que absolveu a escritora turca Elif Safak da acusação de "insultar os turcos", mas lembrou que a Turquia deve alterar várias disposições de seu Código Penal para garantir o direito à liberdade de expressão. Em julho, o Tribunal de Cassação da Turquia ditou uma sentença contra uma jornalista que é "contrária à jurisprudência do Tribunal de Direitos Humanos da UE e aos padrões europeus na área da liberdade de expressão, um dos valores europeus essenciais". Para a CE, este tipo de sentença "continua sendo uma ameaça à liberdade de expressão na Turquia de todos aqueles que expressam uma opinião não violenta". Alívio da escritora "Estou contente por esta decisão, mas estou triste pelo que se viu fora do tribunal. Há um grupo que ataca os intelectuais e os descreve como agentes dos imperialistas e dos inimigos", disse Safak após saber da decisão do tribunal. A escritora afirmou que não assistiu ao julgamento por razões de saúde, já que teve um filho há seis dias. Segundo a imprensa turca, o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, ligou para Safak para parabenizá-la pelo nascimento da criança. Vários escritores, jornalistas e intelectuais foram processados por tribunais turcos segundo o artigo 301 do novo Código Penal, aprovado em 2005, que pune com penas de prisão de entre 6 meses e 3 anos os que insultarem os turcos, a República ou a Assembléia Nacional em público. Desde sua entrada em vigor, em junho do ano passado, o novo código recebeu muitas críticas na Turquia e por organizações internacionais pró-direitos humanos que o consideram contrário à liberdade de expressão.

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