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Trump abala acordo entre Fatah e Hamas

Decisão de reconhecer Jerusalém como capital de Israel ressuscita divergências entre grupos

Por Andrei Netto
Atualização:

Além de provocar a ira no mundo muçulmano, a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, há dez dias, teve um efeito colateral: abalar a reconciliação de Fatah e Hamas, os dois maiores movimentos de “libertação” da Palestina. 

Anunciadas em novembro, as negociações entre as duas facções, uma secular, a outra islamista, deveriam pôr fim aos dez anos do conflito que dividiu e enfraqueceu a causa palestina. A posição da Casa Branca levou o Hamas convocar uma terceira intifada, enquanto o Fatah apelou a protestos pacíficos.

TOPSHOT - Palestinian protesters wave the national flag during clashes with Israeli security forces near the border fence with Israel, east of Gaza City on December 15, 2017 as demonstrations continue over US President Donald Trump's declaration of Jerusalem as Israel's capital. / AFP PHOTO / MOHAMMED ABED 

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Fatah, a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) criada por Yasser Arafat em 1959 e hoje liderada Mahmud Abbas, chefe da Autoridade Palestina (AP), tem raízes seculares e socialistas. Já o Hamas – “fervor” em árabe –, acrônimo do “Movimento de Resistência Islâmica”, foi fundado em 1987 por membros da Irmandade Muçulmana, uma facção que prega a destruição do Estado de Israel e afirma que a Palestina, unificada, é uma “terra muçulmana”.

 Concorrentes, as duas facções entraram em confronto em 2007, quando o Hamas se levantou contra a Autoridade Palestina e assumiu o controle militar e político da Faixa de Gaza em um conflito que deixou mais de 700 mortos.

A iniciativa causou a imediata ruptura da coalizão que sustentava a Autoridade Palestina. Abbas demitiu o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, do posto de primeiro-ministro da Palestina. Radicalizado, o movimento acelerou o enfrentamento com Israel. Em 2012, a tensão entre o Hamas e as forças de defesa chegou ao ápice e serviu como justificativa para bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza. Desde então, a região ainda vive sob o controle do Hamas, mas em uma situação de calamidade econômica, política e social.  A assinatura da reconciliação, que vinha sendo negociada desde novembro, resultaria na devolução do controle político e militar da Faixa de Gaza à Autoridade Palestina. O acordo também encerraria uma década de conflito interno que isolou a região de Gaza não apenas atrás de muros construídos por Israel, mas também da Cisjordânia, administrada pelo Fatah, grupo majoritário na AP. O primeiro prazo para o entendimento havia sido fixado para 1.º de dezembro. Sem sucesso, uma segunda data foi firmada para o dia 10 – quatro dias após o anúncio de Trump. Mas, com a intervenção do presidente americano, as divergências entre Fatah e Hamas, já consideráveis, se aprofundaram. Sem o apoio de Abbas, Haniyeh exortou os palestinos a lançarem a terceira intifada. Já Abbas optou por recriminações retóricas.

Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, territórios em que o Estado esteve na semana passada, militantes históricos das duas facções não escondem a desilusão com ambos os grupos, cujo confronto fragilizou a posição palestina. Em Ramallah, sede do poder da AP, o Mausoléu de Yasser Arafat, antes um monumento visitado pelos palestinos, está às moscas. “Fatah e Hamas… temos de nos livrar desses grupos e eleger algo novo”, diz Mahmoud Hassan, ex-militante que participou da Segunda Intifada, há dez anos. Em Gaza, o pessimismo é semelhante. Ainda que as críticas não sejam dirigidas ao Hamas – movimento que governa com mão de ferro e reprime os dissidentes –, ninguém esconde o desgaste provocado pelas divergências com o Fatah, pelos embargos econômicos e pela estratégia de confrontação direta com o Fatah e Israel. “A situação não é boa. O pior é o desemprego, que é muito grande, e os cortes de luz”, diz Ismail Attala, evitando citar as duas facções.

Para o cientista político Naji Sharab, professor da Universidade Al-Azhar, de Gaza, a iniciativa de Trump torna a reconciliação entre Fatah e Hamas ainda mais dura. “Alguns querem o levante ou uma escalada militar, outros não. Com o problema de Jerusalém, as negociações não podem continuar”, disse o especialista à agência France Presse. Outro professor de Relações Internacionais Jamal Al-Fadi, da mesma instituição, acredita que as negociações correm o risco de fracassar. “No curto prazo elas serão congeladas”, explica. Mas, para ele, cedo ou tarde as conversações terão de ser retomadas em razão da situação política e social da população. “A reconciliação ainda vai voltar ao topo da agenda.” 

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