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Trump e a relação duvidosa com a Ucrânia

Presidente dos EUA teria pedido ao líder ucraniano para investigar filho de Joe Biden, um dos principais rivais de Trump nas eleições de 2020

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

A Ucrânia estava calma desde que substituiu o presidente Petro Poroshenko por um comediante, Volodimir Zelenski, que chegou ao poder há seis meses. A estreia de Zelenski foi como um sonho. Tudo sorria para ele. Seu estilo era refrescante, depois de anos de corrupção. Poroshenko foi incapaz de pôr fim ao conflito que sufoca Donbass (região no extremo leste da Ucrânia), ainda dilacerada pelo confronto entre o exército ucraniano e os “separatistas” apoiados, obviamente, pela Rússia. Esse conflito de Donbass deixou 12 mil mortos.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fala sobre a polêmica com o presidente da Ucrânia Foto: Doug Mills/The New York Times

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A paz em Donbass foi, é claro, o primeiro grande obstáculo que o simpático Zelenski precisava atravessar. Para os ucranianos, vinha antes da luta contra a corrupção, a conspiração dos oligarcas e até a melhoria do padrão de vida. A Rússia já havia engolido a Crimeia alguns anos atrás. A Ucrânia não iria oferecer Donbass também.

Esse medo aumentou à medida que se aproximava a cúpula de Donbass, a chamada Cúpula da Normandia, reunindo presidentes da Ucrânia e da Rússia, além da França e a chanceler alemã, Angela Merkel. Os manifestantes reuniram-se em Kiev, capital da Ucrânia, para manifestar sua desconfiança pela reunião. Eles não eram muito numerosos, mas bastante virulentos.

O medo deles: que Zelenski, em sua franqueza, se deixasse devorar pelo astuto e mau Putin. E os dois europeus responsáveis por facilitar esse contato não lhes inspiram confiança, especialmente Macron, que nunca escondeu seu desejo de acabar com o ostracismo com o qual o Ocidente acabrunha Putin, após a invasão russa do Crimeia. E Merkel, pensam, não é muito melhor.

E será que a operação de sedução lançada em Moscou por Zelenski obteve resultados? Nem um pouco, pensaram os descontentes em Kiev. Os sorrisos de Zelenski não suavizaram Putin. Além disso, ele, em sua ingenuidade de político iniciante, cometeu um erro: expressou fortemente seu desejo de conseguir um acordo com a Rússia.

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E o que ele recebeu de Moscou com sua amabilidade? Nada. A custo, houve uma pequena troca de prisioneiros. É por isso que a miraculosa popularidade de Zelenski enfrentou seu primeiro problema: grupos protestando para ditar a ele seu “roteiro”: “Atenção, perigo! Se você quer demais a paz, acaba perdendo a guerra”.

Zelenskyi portanto, tem “uma primeira pedra no sapato”. Aparentemente, há uma segunda: as conversas que teriam ocorrido, no início deste verão, entre ele e o presidente americano, Donald Trump.

Trump teria falado com o ucraniano Zelenski e também com Vladimir Putin para que Kiev relance as investigações de corrupção que poderiam prejudicar espetacularmente Joe Biden, o ex-vice-presidente de Obama que pode ser um candidato democrata perigoso para Trump nas eleições de 2020.

O filho de Joe Biden, Hunter, trabalhou entre 2014 e 2019 no conselho de administração de uma empresa petrolífera da Ucrânia. Resumindo: uma investigação sobre o filho poderia prejudicar o pai. Essa seria a história de Trump quando telefonou para Zelenski, esperando que fossem reabertas as investigações sobre Hunter como meio de enlamear Joe.

Tudo isso é um pouco romanesco e turvo. Mas Trump nos acostumou a esses ares. Lança acusações ou empreitadas tão bizarras, tão rocambolescas, que os países observadores não o levam a sério. Só um pouco depois, percebemos que as acusações ou as exigências de Trump não eram tão extravagantes assim. É nesse sentido que sempre se pergunta se Trump é um grande desajeitado ou não, embora ele provavelmente nunca tenha lido O Príncipe, de Maquiavel, e seja um discípulo distante, engenhoso e um tanto primitivo do gênio político da Florença dos Médici. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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