Trump exerce poder do perdão como arma política, minando o trabalho dos promotores

Democratas no Congresso, grupos de boa governança e vários ex-promotores criticaram os perdões, caracterizando-os como antitéticos; alguns pediram uma reavaliação do poder, dizendo que Trump o corrompeu

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Por Toluse Olorunnipa e Josh Dawsey
Atualização:

WEST PALM BEACH, Flórida - Entre as dezenas de pessoas que receberam perdão do presidente Donald Trump esta semana estavam várias que mentiram para investigadores e obstruíram uma investigação federal sobre as ligações do presidente com a Rússia.

Algumas tinham ligações pessoais com Trump ou seus apoiadores mais leais. Outras eram parlamentares republicanos, recompensados por terem demonstrado fidelidade ao presidente, mesmo que para tanto tenham traído a confiança pública. Outras ainda abusaram de sua autoridade de maneiras mais violentas, matando ou ferindo civis desarmados.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos Foto: Tom Brenner/ Reuters

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No conjunto, a galeria de criminosos que receberam clemência esta semana mostrou a disposição de Trump de exercer o poder político para seu próprio ganho pessoal, distribuindo favores a amigos em um momento em que ele busca o apoio do Partido Republicano para sua tentativa de reverter sua derrota eleitoral.

Em um processo que os assessores da Casa Branca descrevem como ad hoc, muitos dos que buscavam perdão acabaram no radar do presidente depois que ativistas conservadores, comentaristas de televisão ou outros amigos de Trump fizeram apelos pessoais em seu nome.

A ousadia dos anúncios - que incluíram perdões para o sogro de sua filha, para um ex-gerente de campanha e para assassinos condenados de uma empresa de segurança privada fundada por um aliado político de longa data - abalou Washington e gerou protestos por uma reavaliação do poder constitucional.

A onda de perdões de Trump, a menos de um mês antes de ele deixar o cargo, é a mais recente exploração de seus poderes executivos de maneiras que ferem o espírito da Constituição, quando não a própria letra da lei, disse Russell Riley, historiador presidencial da Universidade de Miller Center da Virgínia.

“O perdão é um poder irrestrito, então acho que nunca houve a menor chance de ele não beneficiar as pessoas que ele discretamente veio autorizando e protegendo o tempo todo”, disse ele. “Ninguém sério pode argumentar que este uso do poder do perdão é consistente com o que os Fundadores previram quando o inscreveram no Artigo II”.

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A grande maioria das 94 pessoas que receberam a clemência de Trump tem alguma conexão pessoal ou política com o presidente, de acordo com uma compilação de Matthew Gluck e Jack Goldsmith, professor da Escola de Direito de Harvard, no blog Lawfare.

Democratas no Congresso, grupos de boa governança e vários ex-promotores criticaram os perdões, caracterizando-os como antitéticos dentro do Estado de Direito e mais um exemplo da hipocrisia de um presidente que fez campanha com a promessa de restaurar a “lei e a ordem” e acabar com o clientelismo político.

Alguns pediram uma reavaliação do poder de perdão, dizendo que Trump o corrompeu de tal forma que deveria ser emendado ou mesmo retirado da Constituição.

“Quando uma das partes permite que o poder de perdão se torne uma ferramenta de empreendimento criminoso, seu perigo para a democracia supera sua utilidade como instrumento de justiça”, tuitou o senador Chris Murphy, democrata de Connecticut, na quinta-feira, depois que Trump perdoou vários indivíduos que foram acusados na investigação do advogado especial Robert Mueller sobre a suspeita de Trump ter conspirado com a Rússia ou obstruído a justiça. “Está na hora de remover o poder de perdão da Constituição”.

De sua parte, os parlamentares republicanos ficaram em silêncio - abandonando o tipo de indignação que expressaram quando presidentes democratas concederam perdão a aliados políticos, em uma escala muito menor.

O único republicano que se manifestou, o senador de Nebraska Ben Sasse, qualificou as medidas como “podres até o osso”.

A Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário.

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É provável que Trump dê mais dezenas de indultos após o feriado de Natal, de acordo com assessores, que, como outros, falaram sob condição de anonimato para discutir deliberações internas. Antes de deixar o cargo, Trump está se preparando para entregar presentes de despedida aos aliados que demonstraram lealdade, disseram os funcionários.

Trump adotou uma abordagem um tanto improvisada para o processo de perdão, tomando conselheiros, amigos e aliados como candidatos em potencial, de acordo com assessores. Alice Johnson, defensora de justiça criminal do Tennessee que recebeu perdão por uma condenação por drogas após um pedido da celebridade Kim Kardashian e discursou na Convenção Nacional Republicana, desempenhou um papel fundamental, enviando nomes para membros da família de Trump e outros conselheiros da Casa Branca.

Trump continua pensando em dar perdão a seu advogado pessoal, Rudolph W. Giuliani, e ao ex-estrategista-chefe Steve Bannon, disse um conselheiro da Casa Branca. Bannon, que foi indiciado no início deste ano sob a acusação de fraudar doações para uma instituição de caridade, se declarou inocente. Giuliani, cujas práticas comerciais atraíram o escrutínio dos investigadores, não respondeu a um pedido de comentário.

O advogado Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, ao lado do ex-presidente DonaldTrump; Giuliani foi intimado a depor no âmbito da investigação sobre a invasão ao Capitólio americano Foto: AP/Carolyn Kaster

Vários conselheiros disseram que Trump pediu a advogados e assessores que examinassem a questão dos perdões preventivos.

Estudiosos do direito têm debatido se Trump poderia emitir um perdão para si mesmo nas próximas semanas, uma perspectiva que parece mais provável desde seu último impulso de clemência, focado, em grande parte, em aliados cujas dificuldades jurídicas estavam intimamente ligadas às suas.

Trump usou seu poder constitucional para minar a investigação de Mueller, que não o acusou nem o inocentou de obstruir a justiça. Mueller, que indiciou vários dos aliados e assessores próximos de Trump, citou as antigas diretrizes do Departamento de Justiça contra indiciar um presidente em exercício.

Trump disse aos aliados que quer erodir a investigação Mueller por meio do poder presidencial de perdão. Na quarta-feira, seus perdões ao ex-gerente de campanha Paul Manafort e ao confidente político Roger Stone - ambos condenados por tentar impedir as investigações sobre a interferência da Rússia na corrida presidencial de 2016 - fizeram parte do esforço para desacreditar Mueller e recompensar aqueles que ficaram ao lado do presidente enquanto enfrentavam a pressão do Ministério Público, disseram os assessores.

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Paul Manafort, ex-chefe de campanha de Trump Foto: Shawn Thew / EFE

Durante o anúncio dos perdões, a Casa Branca disse que Manafort foi “uma das vítimas mais proeminentes do que se revelou ser uma grande caça às bruxas da história americana”.

O tom desafiador deixou claro uma outra maneira pela qual os perdões de Trump diferem dos de seus antecessores: muitos dos destinatários não se arrependem e a Casa Branca retratou os promotores como os verdadeiros malfeitores.

Embora Trump até agora tenha perdoado cinco pessoas que foram acusadas por Mueller, alguns ex-aliados do presidente que cooperaram com a investigação e expressaram remorso por seus crimes não receberam perdão.

Entre estes estão o ex-advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, e o ex-vice-gerente de campanha, Rick Gates. Depois que Cohen implicou Trump em vários crimes, Trump o atacou e o chamou de “rato”.

“Trump distorceu os critérios tradicionais de clemência”, Goldsmith, que rastreou os perdões e comutações de Trump, escreveu na quinta-feira no Twitter. Ele deixou o link para um documento do Departamento de Justiça que dizia que “o perdão é concedido com base na boa conduta demonstrada pelo peticionário por um período substancial de tempo após a condenação e o cumprimento da sentença”.

O Gabinete do Advogado de Indultos, que produziu esse documento, foi amplamente excluído do processo de indulto.

O processo está sendo supervisionado pelo conselheiro da Casa Branca, Pat Cipollone, mas muitos dos nomes vêm diretamente de Trump, que ouve falar de casos na televisão e de amigos, disseram as autoridades.

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Os assessores dizem que, de modo geral, os candidatos à clemência se enquadram em duas categorias: aliados políticos com condenações criminais por crimes de colarinho branco e pessoas sem filiação política mas recomendadas para receber o perdão pelo que um assessor descreveu como “crimes de verdade”, como condenações por drogas. Funcionários da Casa Branca até agora tentaram emplacar os perdões com uma mistura de ambos, às vezes movendo os aliados políticos para o fim da fila.

“Não posso falar sobre isso e não acho que você encontrará alguém que o faça. Há muitos nomes à espera”, disse Doug Deason, doador de Trump que está trabalhando no problema.

Deason disse que estava trabalhando nas indulgências com Jared Kushner e Brooke Rollins, chefe do conselho de política doméstica. Deason disse acreditar que a maioria dos indultos restantes será por condenações menos controversas, incluindo pessoas que receberam sentenças longas por pequenas quantidades de drogas.

Mas Trump também disse aos aliados que deseja usar seu poder de perdão para ajudar aliados políticos que foram leais a ele. Na quarta-feira, ele perdoou um ex-assessor de Rand Paul, senador que o apoiou regularmente em algumas de suas posições impopulares e levantou suspeitas sobre fraude eleitoral.

Jared Kushner é assessor de Donald Trump Foto: Washington Post / Jabin Botsford

Outros destinatários do perdão se beneficiaram de suas conexões poderosas com os que estão na órbita do presidente.

Ao anunciar os perdões, a Casa Branca listou vários partidários de Trump que defenderam a clemência - entre eles o ex-procurador-geral da Flórida, Pam Bondi, e o CEO da Newsmax, Christopher Ruddy.

Ao perdoar Charles Kushner por retaliação de testemunhas e outros crimes, a Casa Branca citou o apoio do conselheiro de campanha Matt Schlapp e David Safavian, ele próprio destinatário de um perdão presidencial. A Casa Branca não mencionou Jared Kushner, genro de Trump e assessor da Casa Branca.

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Trump concedeu clemência a um punhado de parlamentares republicanos que foram considerados culpados de crimes como fraude, obstrução da justiça e violações do financiamento de campanha. Dois ex-membros do Congresso que receberam perdão nesta semana, Duncan Hunter e Chris Collins, estiveram entre os primeiros republicanos a endossar a candidatura presidencial de Trump.

A ex-comissária do condado de Palm Beach, Mary McCarty, foi perdoada por uma acusação de fraude em 2009. Seu irmão, Brian Ballard, é um lobista de longa data para os negócios de Trump e arrecadador de fundos para Trump.

Embora a maioria das pessoas que receberam perdões fossem culpadas de crimes não violentos, Trump também quebrou a tradição ao conceder clemência a várias pessoas envolvidas em atos de crueldade contra inocentes.

Quatro contratados de segurança privada que receberam perdão integral - Nicholas Slatten, Paul Slough, Evan Liberty e Dustin Heard - foram condenados a longas sentenças de prisão por seus papéis em tiroteios que mataram 14 civis iraquianos, incluindo mulheres e crianças. Todos trabalharam para a empresa de segurança Blackwater Worldwide, que foi fundada por Erik Prince - aliado de longa data de Trump e irmão da secretária de Educação Betsy DeVos.

Trump também perdoou dois agentes da Patrulha de Fronteira condenados por atirar em um suspeito desarmado perto de El Paso, Texas, e outro agente da Patrulha de Fronteira que passou 27 meses na prisão por agredir um cidadão mexicano que cruzou ilegalmente o Texas.

Ele também perdoou um policial do condado de Prince George, Maryland, que cumpriu dez anos de prisão por soltar seu cão policial para atacar um homem que havia se rendido. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU