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Trump pressionou conselheiros sobre invasão na Venezuela, dizem funcionários de alto escalão

Presidente americano tem falado sobre opção militar como solução para o país, que vive uma crise sob o regime de Maduro

Atualização:

BOGOTÁ - Durante uma reunião em agosto de 2017, no Salão Oval da Casa Branca, o presidente Donald Trump fez uma pergunta inquietante a seus principais assessores: com a desvalorização rápida da Venezuela ameaçando a segurança regional, por que os Estados Unidos não podem simplesmente invadir o país conturbado?

Presidente Donald Trump discursa durante evento de caridade na Virgínia Ocidental. Foto: AP Photo/Chris Jackson

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A sugestão surpreendeu os que estavam presentes na reunião, incluindo o secretário de Estado, Rex Tillerson, e o conselheiro de Segurança Nacional, H. R. McMaster. Desde então, Tillerson e McMaster deixaram seus respectivos cargos. O relato da conversa no Salão Oval veio de um funcionário de alto escalão do governo, familiarizado com o que aconteceu.

No diálogo, que durou cerca de cinco minutos, McMaster e os outros se revezaram para explicar a Trump como a ação militar poderia ser um tiro pela culatra e também um risco de perder o apoio dos governos latino-americanos, duramente conquistado. O funcionário falou sob a condição de anonimato devido à natureza sensível das discussões.

Mas Trump revidou. Embora não tenha dado indicações de que estava prestes a ordenar planos militares, ele apontou para o que considera casos de diplomacia bem-sucedida na região, como as invasões do Panamá e Granada, nos anos 80. A ideia persistia na cabeça do presidente, mesmo com as tentativas dos assessores de convencê-lo do contrário.

No dia seguinte, 11 de agosto, Trump alarmou amigos e inimigos com menções a uma "opção militar" para tirar Maduro do poder. Os comentários foram inicialmente descartados nos círculos de política dos Estados Unidos como o tipo de fanfarronice esperada de uma estrela de reality show que se tornou chefe de Estado.

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Mas pouco depois disso, segundo o funcionário, Trump levantou a questão com o presidente colombiano, Juan Manuel Santos. Dois funcionários de alto escalão do governo da Colômbia confirmaram a história. Eles também falaram sob a condição de anonimato para evitar antagonizar o presidente americano.

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Então, em setembro, às vésperas da Assembleia Geral da ONU, Trump discutiu o assunto novamente, desta vez com mais profundidade. Foi durante um jantar privado com líderes de quatro aliados latino-americanos, incluindo Santos, segundo disseram os mesmos funcionários e o site Politico.

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A autoridade dos EUA afirmou que Trump foi especificamente alertado para não levantar a questão e que o assunto não seria bem visto, mas a primeira coisa que o presidente disse durante o jantar foi "Minha equipe me disse para não dizer isso". Então, ele perguntou a cada líder se tinha certeza de que não queria uma solução militar. Todos responderam, em termos claros, que tinham certeza.

Eventualmente, McMaster falaria com o presidente sobre os perigos de uma invasão, disse o funcionário.

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Analisadas juntas, as conversas dos bastidores, cuja extensão e detalhes não foram divulgados anteriormente, destacam como a crise política e econômica da Venezuela recebeu muita atenção de Trump, algo inimaginável durante o governo de Barack Obama.

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Mas os críticos dizem que o fato também ressalta como a política externa de America First (América em primeiro lugar, na tradução livre), às vezes pode parecer imprudente e fornecer munição para os adversários dos EUA.

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A Casa Branca se recusou a comentar sobre as conversas. No entanto, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional reiterou que o país considerará todas as opções à disposição para ajudar na restauração da democracia na Venezuela e no retorno à estabilidade. 

Sob a liderança de Trump, os EUA, Canadá e União Europeia impuseram sanções a dezenas de funcionários de alto escalão venezuelanos, incluindo o próprio Maduro, por alegações de corrupção, tráfico de drogas e abusos dos direitos humanos. Os EUA também distribuíram mais de US$ 30 milhões para ajudar os vizinhos da Venezuela a absorver um fluxo de mais de 1 milhão de migrantes que fugiram do país.

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Para Maduro, que há muito tempo afirma que os EUA têm projetos militares para a Venezuela e suas vastas reservas de petróleo, a conversa bélica de Trump é um impulso, ainda que de curta duração. O líder impopular tenta escapar da culpa pela escassez generalizada de alimentos e da hiperinflação.

Poucos dias depois de o presidente americano falar sobre a opção militar, Maduro encheu as ruas da capital Caracas com seus apoiadores, para condenar a beligerância do "imperador" Trump. Além disso, o venezuelano ordenou a realização de exercícios militares em todo o país e ameaçou com prisão os opositores, dizendo que estavam planejando sua derrubada, aliados aos EUA.

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"Cuide do seu próprio negócio e resolva seus próprios problemas, sr. Trump", disse o filho do presidente, Nicolás Guerra, durante uma assembleia do governo. "Se a Venezuela for atacada, os fuzis chegarão em Nova York, sr. Trump", disse o jovem. "Vamos tomar a Casa Branca."

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Até alguns dos maiores aliados dos EUA foram forçados, de má vontade, a ficar do lado de Maduro e condenar as conversas de Trump. Santos, um grande apoiador de Washington que tenta isolar Maduro, disse que uma invasão teria zero apoio na região. O bloco do Mercosul, que inclui Brasil e Argentina, emitiu um comunicado dizendo que os "os únicos meios aceitáveis de promover a democracia são o diálogo e a diplomacia" e que repudia "qualquer opção que implique o uso da força".

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Mas entre a oposição na Venezuela, a hostilidade à ideia de uma intervenção militar tem gradualmente diminuído.

Algumas semanas após os comentários públicos de Trump, o professor de economia Ricardo Hausmann, de Harvard, e ex-ministro venezuelano do Planejamento, escreveu uma coluna intitulada "Dia D da Venezuela", na qual pede uma "coalizão dos dispostos", composta por potências regionais e pelos EUA para intervir e apoiar militarmente um governo nomeado pela assembleia nacional, liderada pela oposição.

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Mark Feierstein, que supervisionou a América Latina no Conselho de Segurança da ONU durante o governo Obama, disse que a ação estridente dos EUA na Venezuela, apesar de louvável, não vai afrouxar o poder de Maduro caso não seja acompanhada pela pressão nas ruas. No entanto, ele acha que os venezuelanos foram desmoralizados depois da repressão aos protestos no ano passado, que desencadearam dezenas de mortes. Além disso, a ameaça de mais repressão forçou dezenas de líderes da oposição ao exílio.

"As pessoas dentro e fora do governo sabem que podem ignorar o que Trump diz", disse Feierstein, agora consultor sênio do grupo Albright Stonebridge, sobre a conversa de Trump a respeito da invasão militar na Venezuela. "A preocupação é que isso aumentou as expectativas entre os venezuelanos, muitos dos quais estão esperando que um ator externo os salve." / AP

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