Turquia assume o papel dos EUA e da França

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Por Gilles Lapouge
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A Síria e o vizinho Israel estão em guerra desde 1948. Poderão, algum dia, encontrar o caminho da paz? Não existe certeza sobre isso, mas pelo menos foram iniciadas conversações. Curiosamente, sob o patrocínio da Turquia. Nem os EUA, com os gracejos de George W. Bush, nem a França - para a qual as viagens incompreensíveis do chanceler Bernard Kouchner na região só tornaram as trevas ainda mais escuras - tomam parte da negociação. O essencial da disputa são as Colinas do Golan, na fronteira entre os dois países, à margem do Rio Jordão. O Golan foi tomado por Israel em 1968 e, depois, anexado em 1981 (anexação jamais reconhecida pela comunidade internacional). Inúmeras tentativas de acordo foram feitas entre 1995 e 2000, sob a presidência de Bill Clinton. Todas fracassaram porque as duas partes não conseguiram se entender sobre o traçado da futura fronteira entre a Síria e Israel, ao longo do Jordão. Ora, o Golan abriga um recurso natural extremamente precioso nessas zonas áridas: a água. Ali corre o Jordão, ele abriga a nascente do Rio Banyas e, sobretudo, o imenso Lago Tiberíades, que constitui a principal reserva de água doce de Israel (40% da água israelense). Evidentemente, esse enorme reservatório de água é cobiçado pela Síria, que alega que ele lhe foi tomado na guerra de 1967, quando Israel pôs as mãos no Golan. Nas últimas tentativas de paz, em 2000, o projeto apresentado por Jerusalém previa que Israel conservaria uma faixa de 500 metros da margem nordeste do Lago Tiberíades. O então presidente sírio, Hafez Assad, abandonou as negociações. O Golan tem outras vantagens aos olhos de Israel. É uma região rica: produz 40% da carne bovina israelense, 20% de seu vinho, 50% de suas águas minerais. E, desde 1968, 20 mil israelenses instalaram-se ali. Além disso, por sua localização, o planalto domina a Galiléia e, portanto, representa um interesse estratégico crucial. Por que Israel aceita negociar tal "tesouro"? Ocorre que Israel se sente cada vez mais cercado por seus vizinhos árabes e islâmicos. Ora, a Síria desempenha um papel nesse cerco. Mais ou menos apoiada pelo Irã extremista, que busca armas nucleares - perspectiva que enlouquece Israel -, a Síria exerce grande influência sobre os palestinos e sobre os libaneses. O Líbano abriga a milícia extremista do Hezbollah, que, armada pelo Irã e pela Síria, infligiu dois anos atrás a primeira derrota militar ao Exército israelense. É por isso que Israel, cuja posição internacional é frágil, resigna-se a contragosto com a negociação do Golan. Israel acha que, fazendo a paz com a Síria, o círculo infernal pelo qual o Estado judeu é cercado se romperia. Washington nem de longe acredita nisso. Não será fácil. De fato, há dois obstáculos. O primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, totalmente desacreditado em seu país, carece de autoridade para tal proeza. Além disso, 20 mil colonos israelenses têm uma existência próspera no Golan. São ciosos de suas propriedades. E dois terços dos israelenses não querem devolver o Golan, ainda que em troca de uma paz duradoura. Mas qualquer que seja o resultado das negociações, elas marcarão uma reviravolta na geoestratégia do Oriente Médio: o eclipse momentâneo, ou não, de duas potências ocidentais que influem na região (França e EUA) e o surgimento de um novo ator importante, a Turquia - único país que mantém relações convenientes tanto com Israel quanto com a Síria. *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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