'Último ditador' da Europa tem o seu teste mais difícil nas eleições

Aleksandr Lukashenko, que está há 26 anos no poder, deve vencer porque controla o sistema eleitoral, mas enfrentará resistência em seu novo mandato

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Por Ivan Nechepurenko 
Atualização:

MINSK - O homem frequentemente descrito como “o último ditador da Europa” nunca pareceu tão abalado. Durante seus 26 anos no poder, Aleksandr Lukashenko – o presidente com punho de ferro da Bielo-Rússia e o líder mais antigo no poder nos países da ex-União Soviética – dançou entre a Rússia e o Ocidente, alternando elogios e acusações enquanto alvejava um lado ou o outro como a razão dos seus infortúnios.

Cartaz da novata Svetlana Tikhanovskaya, uma professora de inglês de 37 anos que mobiliza multidões Foto: EFE/EPA/TATYANA ZENKOVICH

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Agora, ele enfrenta seu desafio mais difícil antes da eleição presidencial hoje. Lukashenko agora perdeu o equilíbrio político e passou a atacar todos os lados ao mesmo tempo que luta para contra um aumento do descontentamento popular.

Depois de atacar Moscou na semana passada, acusando seu principal aliado de uma tentativa de golpe, que descreveu como “um esquadrão de mercenários russos enviado para atrapalhar a eleição”, Lukashenko afirmou na quinta-feira que a Bielo-Rússia estava sob ataque de uma nova equipe de sabotadores que podem ser americanos, ucranianos ou talvez russos.

“Uma guerra híbrida está ocorrendo contra a Bielo-Rússia e devemos esperar truques sujos de qualquer lado”, disse ele a oficiais de segurança em Minsk, capital do país. “Nós nem sabemos quem eles são: americanos com a Otan, ou alguém da Ucrânia, ou nossos irmãos do leste mostrando seu afeto por nós dessa forma.”

O presidente da Bielo-Rússia, Alexander Lukashenko (D) e seu filhoNikolai (C)participam de cerimônia religiosa no vilarejo de Malye Lyady Foto: Nikolai Petrov/EFE

O resultado da eleição de hoje, porém, não deixará dúvidas: Lukashenko, de 65 anos, será declarado vencedor pela sexta vez. No entanto, o que geralmente é um rito de afirmação fortemente coreografado foi perturbado pelos maiores protestos na Bielo-Rússia desde o colapso da União Soviética há quase 30 anos.

No passado, Lukashenko, que comanda um grande e frequentemente brutal aparato de segurança, nunca teve vergonha de demonstrar que pode esmagar qualquer dissidência. Só que, dessa vez, ele parece encurralado, com comícios de oposição em Minsk e cidades menores atraindo milhares de pessoas.

Na quinta-feira, milhares foram a um parque público em Minsk para apoiar Svetlana Tikhanovskaya, uma candidata jovem, com pouca experiência política, cuja plataforma consistia em um só ponto: livrar o país de Lukashenko. As pessoas acenaram, aplaudiram e gritaram para o presidente: “Vá embora!”

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O surgimento de Tikhanovskaya como candidata foi o resultado dos esforços de Lukashenko para acabar com o voto de todos os seus concorrentes. Um rival foi preso, acusado de corrupção. Outro, seu ex-aliado, fugiu para a Rússia. Quem sobrou se uniu em torno de Tikhanovskaya. 

A campanha de intimidação de Lukashenko mirou vários opositores nos últimos meses. O último episódio nessas tentativas de calar a oposição ocorreu ontem. A gerente de campanha de Tikhanovskaya, Maria Moroz, foi presa por, segundo as autoridades, “ameaçar a ordem pública”. É a segunda vez que ela é detida em menos de duas semanas.

Os problemas crescentes do presidente, disse Aleksandr Feduta, ex-gerente de campanha de Lukasehenko que se desencantou com seu ex-chefe, deixaram o longevo líder em uma situação que ele nunca experimentou antes: quase totalmente privado de aliados fora do sistema de segurança. “É uma catástrofe para ele”, disse Feduta. “Ele pode estender seu governo, mas não pode restaurar seu poder”, afirmou.

A economia bielorrussa está vacilando em parte por causa do colapso dos preços do petróleo. Membros da elite econômica e governamental se voltaram, então, contra Lukashenko. Os meios de comunicação rigidamente controlados, como a televisão estatal, perderam as rédeas diante dos vibrantes canais online que frequentemente apoiam seus adversários. 

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Além disso, sua resposta à pandemia do coronavírus também o deixou exposto. Durante meses, ele negou que o vírus fosse uma ameaça séria e ridicularizou a ideia de que poderia ser fatal, sugerindo que as pessoas bebessem vodca, andassem de tratores e frequentassem sauna para prevenir infecções.

No final do mês passado, ele alegou que ele próprio havia sido infectado, mas não sofreu danos à saúde. Em uma entrevista com um blogueiro ucraniano na quarta-feira, ele deu a entender que havia sido infectado deliberadamente, mas não especificou quem conspiraria contra ele e teria o interesse de deixá-lo doente.

Militares dão apoio ao governo

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Mesmo assim, apesar da pressão crescente, Lukashenko controla o sistema eleitoral, que pode produzir qualquer resultado de que ele precisar. Antes da votação, o presidente também visitou várias bases militares e tropas antimotim. A cerca ao redor de sua residência em Minsk foi reforçada com escudos de metal. E os reservistas do exército foram solicitados a retornar à ativa. “Nessa situação, ele recorrerá mais às forças de segurança”, disse Artyom Shraibman, fundador da Sense-Analytics, uma empresa de consultoria e um grupo de pesquisa de Minsk.

Isso pode ser suficiente para o presidente reivindicar mais uma vitória eleitoral hoje, mas Shraibman disse que a era de Lukashenko como presidente está terminando. “Essa é claramente a temporada de outono para ele”, disse. “A questão é em que mês estamos – outubro ou novembro?”

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