
28 de abril de 2019 | 05h05
Em nenhum outro lugar da Espanha a súbita ascensão dos ultradireitistas do Vox é tão significativa quanto na Andaluzia, região que já foi reduto do socialismo espanhol. Em 2015, o partido radical tinha 3 mil filiados no país todo. Hoje, são 50 mil – 2 mil apenas em Sevilha, maior cidade andaluz.
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Durante as celebrações da Semana Santa, data religiosa mais importante da Espanha, as pautas pelas ruas da cidade de Jaén, na Andaluzia, eram duas: as eleições gerais, que serão realizadas neste domingo, 28, e a ascensão do Vox. “Só roubaram por aqui. Acho que agora é a hora de uma mudança drástica. Precisamos de um governo firme, que faça com que o país cresça”, diz a aposentada Marisol Soledad Olmo Villar, de 88 anos. “Chega. Estamos no limite. Queremos uma Espanha livre da ameaça do socialismo.”
A poucos metros dali, jovens com idade entre 18 e 25 anos se reúnem próximo à catedral de Jaén. O intuito é promover um debate sobre política. “Meu voto é do Vox, claro. As pessoas pensam que os eleitores do partido são todos velhos e conservadores. Preciso de emprego e quero um país melhor para meus filhos. Aqui tem muito imigrante. Não acho certo. Está mais do que justificado”, afirma o estudante Juan Ortega, de 23 anos.
Em dezembro, pela primeira vez em 36 anos, uma força de ultradireita obteve representação parlamentar na Espanha. O partido político Vox conquistou ao todo 12 cadeiras no Congresso regional de Andaluzia, reduto historicamente da esquerda. Até então, o país, que no século 20 passou por três décadas da ditadura de Francisco Franco, vinha resistindo à onda populista de direita que chegou à Europa.
Com a vitória regional, o Vox, liderado por Santiago Abascal, deu um passo gigante para eleger representantes nacionais e ser peça fundamental no próximo governo. Algo que, há alguns anos, era inimaginável para um partido considerado pequeno.
“É impossível que o Vox tenha votos suficientes para formar o governo e indicar o primeiro-ministro da Espanha. A intenção do partido não é essa. O objetivo é crescer e conquistar visibilidade nacional. Seria o primeiro partido de extrema direita a entrar no Legislativo desde 1982, quando Blas Piñar, do Força Nova, que reivindicava a herança do franquismo, deixou o cargo de deputado”, afirma o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Nacional de Madri, Jaime Pastor Verdú.
Em fevereiro, o premiê espanhol, o socialista Pedro Sánchez, convocou eleições antecipadas depois que sua proposta de orçamento foi derrotada no Parlamento por uma aliança de partidos de direita – PP (Partido Popular) e Ciudadanos – mais os independentistas catalães.
A eleição é a quarta em oito anos e deve favorecer a formação de uma maioria parlamentar conservadora, que inclui o Vox. As últimas pesquisas divulgadas previam 8% de intenções de voto para a legenda. Isso seria o suficiente para o partido garantir entre 25 e 30 assentos no Parlamento.
Nas ruas de Madri, dezenas de jovens adeptos do Vox distribuem panfletos e oferecem informações sobre o partido. A estratégia é persuadir a classe trabalhadora, que ainda está indecisa. “Eu acredito no Vox e em suas ideias para a Espanha. Esse discurso da esquerda não dá mais”, afirma o estudante Rafael Herrera, de 27 anos.
A panfletagem quebra o paradigma de que apenas a elite conservadora e mais velha da Espanha é adepta das ideias do Vox, como bem lembra o professor Verdú. “Há de tudo. É impossível estereotipar. Claro que o público mais velho ainda é majoritário. Os jovens, porém, também gostam das ideias do Vox porque se sentem representados. Há um descontentamento geral da juventude com o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e o PP, que dominaram politicamente a Espanha nos últimos anos”, diz.
Fundado em 2013 por ex- militantes do PP, o Vox defende uma política de imigração mais severa e faz críticas à União Europeia. Nos últimos anos, a Espanha se tornou rota de imigrantes e de refugiados que tentam chegar à Europa pelo Mediterrâneo. O Vox ainda rejeita leis que protejam as mulheres contra a violência doméstica, também é contra o aborto e o casamento gay. A principal bandeira da legenda é seu posicionamento contrário ao separatismo catalão. Javier Ortega, secretário-geral do Vox, quer que os partidos secessionistas sejam banidos da Espanha.
Pequeno, o partido Vox, que até dezembro não tinha representação parlamentar, faz das redes sociais seu maior trunfo. O perfil da legenda do Instagram conta com mais de 250 mil seguidores. O Vox também mantém um contato direto com seus eleitores por mensagens de WhatsApp.
O número de filiados ao partido já passa de 15 mil e Madri deve ganhar uma nova sede até a metade do ano. Para tentar superar a imagem de rigidez, o Vox conta com o apoio de figuras públicas de renome: um comediante, um ex-apresentador de TV e um toureiro estão entre as personalidades que aderiram ao partido mais recentemente.
Muito da popularidade do Vox nos últimos anos se deve à imagem de um líder virtuoso e de retórica poderosa. Santiago Abascal é elegante e inteligente. Filho de um político basco do Partido Popular (PP, conservador), sofreu diversas ameaças de morte e chegou a carregar uma pistola para se proteger.
Na semana passada, o Vox se envolveu em uma polêmica. Às vésperas dos debates mais importantes da TV, um na emissora Antena 3, do grupo Atresmedia, e outro na televisão estatal, TVE, a junta eleitoral impediu o partido de participar.
O órgão alegou problemas de “proporcionalidade”, de acordo com as pesquisas de intenção de voto. A decisão foi tomada depois da reclamação de alguns partidos regionais.
“Lamentável. Isso é vergonhoso”, declarou o Vox, em nota oficial à imprensa. Desta forma, os debates contaram apenas com três candidatos: Pedro Sánchez, do Partido Socialista (PSOE), Pablo Casado (PP), Albert Rivera, do Ciudadanos, e Pablo Iglesias, do Podemos.
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