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Um acordo com todo o mundo árabe

Com impasse entre Israel e palestinos, ganha força iniciativa de paz que englobe 23 Estados

Por Jonathan Freedland e The Guardian
Atualização:

Esqueça a solução de dois Estados: é melhor começar a pensar no problema de quatro Estados. A frase foi dita pelo negociador palestino Ahmad Khalidi, que trabalha há décadas para ver dois Estados lado a lado, um palestino, outro israelense. Mas, no momento, ele observa um Estado forte, Israel, cercado por três protótipos de Estado. O primeiro é a Cisjordânia, governada pelos nacionalistas secularistas da Fatah. O segundo é a Faixa de Gaza, há mais de dois anos o feudo islâmico do Hamas. O terceiro é a surpresa: ainda em fase embrionária, tivemos este mês uma amostra do seu futuro. Os colonos judeus militantes de Hebron resistiram à expulsão de uma casa contestada não apenas jogando pedras contra palestinos, mas também atacando o Exército de Israel. Essas imagens representaram um choque para o sistema israelense, a confirmação de que há hoje um núcleo extremista de colonos judeus que de fato considera o Estado ilegítimo e laico - e está preparado para erguer sua mão contra os jovens que compõem a maior parte do Exército israelense. É possível que logo estejamos falando de Israel, da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e de uma nova entidade rebelde e fanática: vamos chamá-la de Judéia, por exemplo. Ainda não chegamos neste ponto. Mas temos de acrescentá-lo à longa lista de acontecimentos que têm feito com que os veteranos do processo de paz do Oriente Médio percam a fé na solução de dois Estados. Os motivos para o desespero são muitos, a começar pela fragmentação citada por Khalidi. Palestinos que antes acreditavam na superação da rixa temporária entre Fatah e Hamas agora temem que o abismo entre os dois grupos esteja aumentando, sem ver no horizonte uma figura capaz de reunificar este povo dividido. Por que o Hamas voltaria a se submeter à autoridade do presidente palestino, Mahmud Abbas? E ainda assim, enquanto os palestinos permanecerem divididos, Abbas será fraco demais para firmar um acordo com Israel. O impasse também tem raízes do outro lado. Israel realizará eleições em 10 de fevereiro. As pesquisas de opinião indicam a probabilidade da volta de Binyamin Netanyahu ao poder, com seu Partido Likud, cuja característica principal é o ceticismo nacionalista diante do processo de paz. Mesmo que isso fosse superado, Israel tem suas próprias divisões internas, expressadas em coalizões fragmentadas demais para fazer as concessões necessárias. Além disso, há muitos no establishment político de Israel que consideram o status quo suportável e acham que os palestinos não representam uma ameaça existencial como, por exemplo, o Irã nuclear. Eles se contentam com a existência de um processo de paz, mas não falam sério a respeito da concretização desta paz. Ou, como disse recentemente um funcionário israelense: "Negociações são boas, resultados são ruins." Alguns respondem a esta paisagem desanimadora concentrando-se nos elementos individuais que a compõem. Quem sabe novas eleições entre os palestinos produzissem um resultado útil. Afinal, a última pesquisa realizada por Khalil Shikaki mostra a Fatah com vantagem sobre o Hamas nas intenções de voto (42% a 28%) - com a Fatah mostrando resultados particularmente expressivos em Gaza, controlada pelo Hamas. Ou quem sabe Netanyahu, mesmo como representante da direita, firme o tão sonhado acordo. Quando foi primeiro-ministro há uma década, ele se mostrou mais pragmático do que sua reputação sugeria. Ou pode ser que aconteça um milagre e o novo partido pacifista fundado por Gilead Sher, antigo negociador dos Acordos de Camp David, e apoiado pelos gigantes da literatura Amos Oz e David Grossman, obtenha uma inesperada vitória. Tudo isso não passa de sonho. Em vez de esperar que os fatores impedindo a solução de dois Estados mudem, é certamente mais racional dar um passo atrás e repensar toda a abordagem ao problema. O chanceler britânico, David Miliband, gosta de citar a máxima de Eisenhower de que, quando enfrentamos um problema intratável, o primeiro passo é torná-lo maior. Diante da frustração em conseguir a paz entre dois povos, por que não aumentar as apostas e tentar firmar uma paz entre Israel e o restante da região? "Uma solução de 23 Estados - os 22 membros da Liga Árabe mais Israel", conforme disse Miliband no mês passado. Isto não é tão imaginário quanto parece. A iniciativa árabe de paz em 2002, que ofereceu a normalização das relações com Israel se o país se comprometesse a respeitar as fronteiras de 1967, ainda está sobre a mesa. De fato a Liga Árabe escreveu a Barack Obama, pedindo que ele trabalhe pela paz no Oriente Médio, tendo como base a iniciativa da liga. A lógica por trás da proposta é convincente. No momento os palestinos têm pouco a oferecer para fazer com que as concessões necessárias pareçam valer a pena para Israel. Mas um acordo com todo o mundo árabe seria um prêmio capaz de justificar o esforço de ceder em alguns pontos. O medo do Irã pode motivar os árabes a buscar a união. Alguns funcionários israelenses acham que, após a era Bush, os EUA não serão mais capazes de impor sua vontade ao Oriente Médio. A partir do mês que vem, Obama terá a chance de provar que esta interpretação está errada - e de resolver, na mesma jogada, um dos problemas mundiais mais persistentes. *Jonathan Freedland é colunista do jornal ?The Guardian?

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