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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Um ano após posse, líder egípcio enfrenta protestos por sua deposição

Ao menos três pessoas morreram nos últimos dias em razão de violentas manifestações

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Dois anos e meio depois do levante popular que derrubou o ditador Hosni Mubarak, o cenário no Egito é muito parecido com o daquele início de 2011. Apoiado por tanques e blindados, o Exército está nas ruas, e a polícia foi dotada de armamento mais pesado, enquanto centenas de milhares de manifestantes prometem exigir a saída de Mohamed Morsi, o primeiro presidente eleito democraticamente em seis décadas, cuja posse completa um ano hoje.

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Os simpatizantes de Morsi, mobilizados pelo seu partido, a Irmandade Muçulmana, e pelo grupo islâmico radical Noor prometem também sair às ruas para defender o governo. Diante do risco de confronto entre os dois grupos, Hassan el-Shafei, membro da Al-Azhar, entidade que reúne a cúpula do clero sunita, advertiu para a ameaça de "guerra civil". Nos últimos dois dias, ao menos três pessoas morreram em confrontos no país, um deles um jornalista americano.

Assim como Mubarak, Morsi também sofre a oposição de amplo espectro ideológico. A revolução que derrubou o ditador, havia três décadas no poder, reuniu islâmicos, seculares liberais e esquerdistas. Já o movimento contra Morsi, o primeiro líder islâmico a governar o Egito, reúne os secularistas de todas as correntes, da esquerda até os partidários do antigo regime.

O principal movimento opositor adotou o nome simbólico "Tamarud", ou "Rebelde", em árabe, a mesma palavra usada para designar os insurgentes que lançaram mão da luta armada na Líbia e na Síria. Em contraposição, o grupo que apoia Morsi se autodenomina "Tagarud", "Imparcialidade" em árabe. Eles alegam que o presidente foi eleito democraticamente para um mandato de quatro anos e a oposição deveria se curvar ao jogo democrático.

Em sondagem recente do Centro Egípcio para a Pesquisa de Opinião Pública, 52% dos entrevistados reprovaram o governo de Morsi, enquanto 42% o aprovaram. O presidente foi eleito no segundo turno pela estreita margem de 51,7%, contra 48,3% para Ahmed Shafik, último primeiro-ministro de Mubarak, considerado candidato dos simpatizantes do antigo regime.

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Morsi é acusado de autoritarismo, de impor as leis islâmicas sobre a plural sociedade egípcia, que inclui uma minoria de 10% de cristãos, e de não ter cumprido sua promessa de "arrumar a casa" em 100 dias. Em vez disso, a situação econômica se deteriorou. O desemprego tem aumentado, alcançando agora 13,2%, segundo a cifra oficial. O turismo, principal fonte de receita do país, não se recuperou, e o número de visitantes estrangeiros continua 40% abaixo de antes da queda de Mubarak.

A oposição afirma haver coletado 15 milhões de assinaturas exigindo a saída do presidente, numa população de 80 milhões. "É um voto de desconfiança ao presidente da Irmandade Muçulmana", disse à BBC o porta-voz do Tamarud, Mahmud Badr. "Apresentaremos as petições assinadas e bem documentadas à Corte Constitucional, para solicitar que ela retire a confiança de Morsi e nomeie um presidente interino para governar até a realização de novas eleições."

Morsi queixa-se de não ter tido chance de governar até agora. "Desde o primeiro dia, tenho enfrentado conspirações uma após a outra para me derrubar", disse ele em um discurso a simpatizantes. "Como pode o melhor dos líderes obter grandes realizações em uma atmosfera tão venenosa?" Ele afirma que, nesse ano de governo, houve 4.900 greves e 22 convocações para "marchas de 1 milhão" de pessoas. Nas últimas semanas, o governo reagiu com ações da Procuradoria-Geral da República contra 32 juízes que considera seus inimigos e com devassas fiscais contra empresas de comunicação que o criticam.

As tentativas do presidente e de seus partidários de consolidar o seu poder só tendem a aumentar a fúria dos opositores e a polarização do país. Essa é a lição extraída da queda de Mubarak. Os militares, como há dois ano e meio, têm-se distanciado do governo. "As Forças Armadas têm a obrigação de intervir para evitar que o Egito mergulhe num túnel escuro de luta e mortes civis, de sectarismo ou do colapso das instituições estatais", declarou recentemente o general Abdel Fattah Sisi, ministro da Defesa. No contexto egípcio, parece a senha para uma intervenção militar.

Quando a queda de Mubarak pareceu irreversível, em fevereiro de 2011, o comando das Forças Armadas retirou o apoio ao ditador, selando seu destino. Marechal da Força Aérea, Mubarak pertencia ao establishment militar. Parece improvável que Morsi receba dos militares melhor tratamento que Mubarak.

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Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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