Um conflito que se amplia

Há um perigo real de que Estados artificiais criados pela Grã-Bretanha no Oriente Médio acabem se desintegrando

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Por CONDOLEEZZA RICE e É EX-SECRETÁRIA DE ESTADO DOS EUA
Atualização:

A guerra civil na Síria pode vir a ser o último ato na história da desintegração do Oriente Médio tal como o conhecemos. Estamos deixando escapar a oportunidade de manter a região coesa e, assim, reconstruí-la com base nos pilares da tolerância, liberdade e estabilidade. Egito e Irã são Estados com histórias extensas e contínuas e identidades nacionais fortes. A Turquia também, mas lá há a questão dos curdos, que permanecem em grande medida desassimilados, são vistos com desconfiança por Ancara e mantêm a esperança de formar uma nação independente. Quase todos os outros Estados importantes da região foram criados modernamente pelos britânicos, que estabeleceram suas fronteiras como se estivessem traçando linhas pretas no verso de um envelope, sem a menor preocupação com diferenças étnicas e sectárias. Resultado: um Bahrein no qual os 70% de xiitas estão submetidos à autoridade de um monarca sunita; uma Arábia Saudita em que os 10% de xiitas ocupam as províncias mais ricas, situadas no leste do país; um Iraque com 65% de xiitas, 20% de sunitas e 15% de curdos e outros grupos - todos até 2003 governados com mão de ferro por um tirano sunita; uma Jordânia em que os palestinos chegam a quase 70% da população; um Líbano dividido em porções mais ou menos iguais de sunitas, xiitas e cristãos; e, por fim, a Síria: um conglomerado de sunitas, xiitas, curdos e outros, governados pela minoria alauita. Durante várias décadas, a coesão dessa estrutura frágil foi assegurada pela presença de monarcas e ditadores. Mas quando o desejo de liberdade ganhou força e eclodiu em Túnis e se alastrou pelo Cairo e por Damasco, os governos autoritários da região perderam força. O perigo é que esses Estados artificiais acabem por se desintegrar. O grande equívoco cometido ao longo desse último ano foi atribuir um caráter humanitário ao conflito com o regime de Bashar Assad. As ações de Damasco foram bárbaras e selvagens e muitas pessoas inocentes foram assassinadas. Mas não estamos diante de um replay do que ocorreu na Líbia. Há muito mais coisas em jogo. O desmoronamento da Síria impele sunitas, xiitas e curdos na direção de uma rede regional de alianças confessionais. Em 1848, Karl Marx exortou os trabalhadores de todo o mundo a ignorar as fronteiras nacionais e unirem-se, tentando convencê-los de que eles tinham mais em comum uns com os outros do que com as classes dirigentes que os oprimiam em nome da unidade nacional. O Karl Marx de hoje é o Irã. O país sonha com a expansão de sua influência entre os xiitas, unindo-os sob a bandeira teocrática de Teerã - pondo fim à integridade do Bahrein, da Arábia Saudita, do Iraque e do Líbano. Os iranianos empregam os grupos terroristas, o Hezbollah e as milícias xiitas do sul do Iraque para apregoar sua oferta. A Síria é a ponte para o Oriente Médio árabe. Teerã já não esconde o fato de que suas forças de segurança agem no país para dar sustentação a Assad. Nesse contexto, as aspirações nucleares iranianas são um problema não só para Israel, mas para a região como um todo. E onde estão os EUA? Os americanos passaram 12 meses à espera de que russos e chineses concordassem com ineficazes resoluções da ONU pedindo "o fim do derramamento de sangue", como se Moscou fosse abandonar Assad e Pequim realmente se importasse com o caos que impera no Oriente Médio. Vladimir Putin não é um homem sentimental. Mas enquanto estiver convencido de que Assad consegue se aguentar, não fará nada para enfraquecê-lo. Nos últimos dias, a França resolveu ocupar o vácuo diplomático e reconhecer um recém-formado movimento de oposição que, em termos gerais, pretende representar todos os sírios. Os EUA deveriam seguir o exemplo de Paris, examinar as intenções desse grupo unificado a fim de, eventualmente, armá-lo. O peso e a influência dos EUA se fazem necessários. Agora é preciso agir. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

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