Um novo Estado do zero

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

A Terra contará hoje com um novo Estado, o Sudão do Sul. De onde ele saiu? Até aqui, ele era apenas a parte sul do Sudão, aquele país independente desde 1956 que sucedeu ao antigo Sudão anglo-egípcio, formado no tempo da grande "partilha" da África em 1899 (mais justamente no tempo do desmembramento da África realizado pelos europeus no Congresso de Berlim de 1878). Por que o Sudão do Sul se separou do Sudão? Depois de uma longa guerra civil entre o norte (capital Cartum) habitado por muçulmanos e o sul cristão e animista, um conflito assassino, as populações do sul votaram quase unanimemente pela independência no início do ano. Mas alguém me explique como é a passagem, o nascimento, de uma nova nação, quando esse país é pobre como Jó, desértico, carente de tudo e habitado por 80% de analfabetos? Eis a resposta: uma passagem ruim. E ainda pior porque o país do qual o Sudão do Sul se separou faz de tudo para essa independência ser uma abominação. Por que o Sudão de Cartum se obstina contra o Sul? Por muitas razões, entre as quais a seguinte: embora o Sudão do Sul seja de uma pobreza desesperadora, ele possui petróleo. Três quartos do petróleo do Sudão provinham de sua província meridional, hoje independente. O Sudão do Sul tem até uma capital, Juba, que tinha 200 mil habitantes em 2006. Hoje, possui 1 milhão. Uma capital do "Ocidente", com boom imobiliário e anarquia ilimitada. O governo ocupa um palácio presidencial luxuoso. Algumas vias asfaltadas atravessam a capital. O problema é que todas as vias do país são confiscadas pela capital. No restante do país, contam-se apenas 10 quilômetros de vias asfaltadas. Em Juba, podem-se admirar alguns hotéis de boa aparência que não servem aos sul-sudaneses e sim aos funcionários internacionais e às ONGs que fervilham sobre o novo país. Essas pessoas podem pagar US$ 200 de diária. Uma prostituta em Juba entrega seu corpo por menos de US$ 10. E o que se encontra nas ruas? Antes de tudo, barulho. O barulho dos mototáxis chineses, os "boda-boda", que disparam em meio à poeira. O barulho dos entregadores que transportam em seus carrinhos de mão legumes, botijões de água e os objetos de funilaria de que precisa um país que não produz nada. Nas ruas, "desocupados" procuram um modo de sobreviver. E há também os chineses. Quem imaginaria um novo Estado surgindo na África sem brigadas de chineses participando da epopeia? Alegra ver surgir um Estado e saber que as populações oprimidas do sul estão livres das garras do Sudão, o do norte - mas ao mesmo tempo angustia. Como esse país carente de infraestrutura, sem a sombra de uma indústria e analfabeto poderá resistir à raiva, ao desprezo e à cobiça da gente do norte? A esperança é o petróleo. O Sudão é rico em petróleo. E, embora 80% do petróleo seja extraído dos territórios do sul, as exportações são escoadas inteiramente pelo norte, pelo Mar Vermelho, graças a dois imensos oleodutos. Essa divisão de tarefas entre as duas metades do Sudão deveria condenar os dois Estados ao entendimento. Esse seria o caminho da sabedoria. Infelizmente, a agressividade que os soldados do norte exibem há algumas semanas fazem recear que a palavra "sabedoria"não tenha uma reputação muito boa nessas plagas. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK É CORRESPONDENTE EM PARIS

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