Uma campanha desconectada da vida real

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Por Thomas Friedman (The New York Times)
Atualização:

Eis o que me choca nesta eleição: não consigo me lembrar de uma campanha presidencial que tenha sido tão desligada dos reais desafios que o vencedor terá na manhã seguinte. Quando essa campanha eleitoral começou, há dois anos, a grande questão era como e por quanto tempo continuaríamos construindo uma nação no Iraque. Neste encerramento da campanha, a grande questão é como e com quais sacrifícios faremos a reconstrução dos Estados Unidos. Infelizmente, pouco se fica sabendo disso com os debates presidenciais. Vê-los no contexto do derretimento do sistema financeiro foi como assistir a um game show em que os dois concorrentes eram mantidos fora do palco numa cabine à prova de som e trazidos para falar à platéia sem conhecer o contexto. Desde o último debate, John McCain e Barack Obama divulgaram idéias gerais sobre como recuperar a saúde financeira da país. Mas eles continuam a sugerir que isso será indolor. McCain diz que conceder um corte de impostos a todos resolverá o problema; Obama nos diz que somente os ricos terão de pagar para nos ajudar a tirar desse buraco. Nenhum dos dois está certo. Todos nós teremos que pagar porque esse derretimento vem no contexto do que tem sido "talvez a maior transferência de riqueza desde a Revolução Bolchevista na Rússia em 1917", diz Michael Mandelbaum, autor de Democracy?s Good Name (O Bom Nome da Democracia, em tradução livre). "Não é por uma transferência de riqueza de ricos para pobres que a administração de George W. Bush será lembrada. É por uma transferência de riqueza do futuro para o presente." Nunca uma geração gastou tanto da riqueza de seus filhos num período tão curto de tempo com tão pouco para mostrar por isso como nos anos Bush. Neste governo, os EUA impingiram para gerações futuras um enorme ônus financeiro para financiar nossos cortes de impostos, guerras e salvamentos correntes. O simples pagamento dessas dívidas exigirá sacrifícios significativos. Mas quando se acrescenta a destruição de riqueza que ocorreu nos mercados nos dois últimos meses, e a necessidade de novos salvamentos, compreende-se por que essa não vai ser uma recuperação indolor. A equipe de Bush nos deixa com outra dívida - esta, com a Mãe Natureza. Nós adicionamos novas toneladas de CO2 na atmosfera nestes últimos oito anos, sem nenhum esforço de mitigação. Desacelerar a mudança climática nos próximos oito anos vai requerer mudanças e investimentos ainda maiores na maneira como usamos a energia. Considerando que os colunistas do New York Times não têm permissão para endossar "formalmente" candidatos, tudo que eu sugiro é que se vote no candidato com os seguintes traços de caráter: primeiro, precisamos de um presidente que possa falar inglês e desconstruir e enfrentar questões complexas. Desperdiçamos uma quantidade imensa de tempo fingindo que puniríamos Wall Street sem punir Main Street (os investidores comuns) - quando, na verdade, eles estão complexamente interligados. Um importante fundo de investimento em títulos de dívida de curto prazo - o Reserve Primary - quebrou em setembro porque o juro extra que ele oferecia a clientes derivava, em parte, dos U$ 785 milhões em commercial papers e promissórias de alto rendimento do Lehman Brothers que ele retinha. Os depositantes que disseram a seus congressistas para deixar o ganancioso Lehman Brothers quebrar ficaram chocados ao descobrir que isso significava o congelamento do seu próprio mercado de dívida de curto prazo. Não, não precisamos de um presidente defendendo a ganância em Wall Street, mas precisamos de um capaz de explicar que estamos todos no mesmo barco, que um vazamento em uma ponta pode afundar todos, e que, embora precisemos regular, não queremos matar o investimento de risco e as recompensas que o acompanham - que são fundamentais para o crescimento de nossa economia. Segundo, precisamos de um presidente que possa energizar, inspirar e unir o país durante o que será uma recuperação muito estressante. Precisamos sair dessa crise financeira numa época em que os baby boomers (a geração nascida pouco após o fim da 2ª Guerra Mundial) estão prestes a se aposentar e vão precisar de sua previdência social e, eventualmente, do Medicare. Todos nós estaremos pagando mais ao governo e recebendo menos até sairmos desse buraco. Terceiro, precisamos de um presidente capaz de trazer o mundo para o nosso lado. Não poderemos sair dessa crise a menos que a China comece a consumir mais e a menos que a Europa continue baixando suas taxas de juros. Então, pedi aos eleitores: por favor, não vote no candidato com quem você mais gostaria de tomar uma cerveja. Vote na pessoa que mais gostaria de ter ao seu lado quando pedir a um gerente de banco uma prorrogação de sua hipoteca. Vote no candidato que acha que tem a inteligência, o temperamento e a capacidade de unificar o país e pilotar nosso navio pelos baixios mais pedregosos que nossa geração jamais conheceu. Seus filhos lhe agradecerão. *Thomas Friedman é colunista

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