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União Europeia e EUA ampliam sanções contra a Rússia

Medidas são resposta à situação na Ucrânia e afetarão os setores de petróleo, tecnologia e defesa

Por Jamil Chade , correspondente e Genebra
Atualização:
UE ampliou lista de pessoas próximas a Putin que tiveram ativos congelados no exterior Foto: EFE/Mikhail Klimentyev

(Atualizada às 18h30) GENEBRA - A União Europeia decidiu nesta terça-feira, 29, adotar o pacote mais amplo de sanções já impostas contra a Rússia desde o final da Guerra Fria, fechando seu mercado financeiro e adotando um embargo de armas. Com o objetivo de mandar um recado ao governo de Vladimir Putin de que Bruxelas não aceitará a desestabilização da Ucrânia, medidas foram adotadas para punir a economia russa e oligarcas que servem de alicerce para o presidente russo.

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O setor privado europeu deixou claro que as sanções não vão afetar apenas o governo Putin, mas os interesses de multinacionais francesas, britânicas e alemãs. Mas a diplomacia europeia alertou que sua prioridade é a "segurança da Europa", mesmo que isso tenha um preço.

O presidente Barack Obama anunciou novas sanções contra a Rússia, que atingem os setores financeiro, de energia e defesa. As medidas bloqueiam o acesso a financiamento de médio e longo prazo em dólares e euros para três bancos, o que eleva a cinco o número de instituições atingidas por sanções adotadas desde o dia 16 de julho. 

Os americanos também vão suspender a exportação de tecnologia destinada à exploração não-convencional de petróleo. Segundo assessores de Obama, a decisão não afeta a produção e venda atual da Rússia, mas reduz sua capacidade de expandi-la para áreas que só agora começa a prospectar, como shale, ártico e águas profundas. 

A estimativa do governo americano é de que as sanções aos bancos afetem 30% do setor financeiro estatal russo, em termos de ativos. Alguns instituições, como o Banco de Moscou, possuem 100% de sua dívida denominada em dólares. Além de inviabilizar o acesso das instituições a fontes de financiamento nos EUA e na Europa, as sanções deverão piorar piorar o clima de investimentos na Rússia e aprofundar a tendência de fuga de capitais e percepção negativa em relação ao país, disseram assessores de Obama. Eles mencionaram estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo o qual US$ 100 bilhões devem ser retirados da Rússia neste ano.

A guerra comercial faz parte de uma ofensiva para tentar desestabilizar Putin. Além das sanções europeias, os americanos devem ampliar suas iniciativas contra a economia russa. Na segunda-feira 28, o Japão fez o mesmo e o governo americano ainda denunciou atitudes do Kremlin de violar um acordo de desarmamento que marcou o final da Guerra Fria.

Militares ucranianos lançaram uma ofensiva por terra, enquanto uma corte internacional condenou a Rússia a pagar US$ 50 bilhões em compensação por conta do confisco da empresa Yukos por Putin há dez anos.

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Em Bruxelas, as sanções econômicas vão atingir o setor de bancos, petróleo, tecnologia e defesa, insluindo segmentos que possam ter tecnologia sensível ou uso militar. As medidas poderão entrar em vigor no dia 1 de agosto, com prazo de um ano, mas serão revistas no prazo de três meses.

Pela primeira vez, as sanções europeias irão além de congelar bens de lideranças russas e têm como meta tornar cada vez mais custoso o apoio do Kremlin aos rebeldes no leste da Ucrânia.

Uma das medidas fecha o mercado europeu para os bancos estatais russos para captar recursos. Segundo as estimativas de Bruxelas, esses bancos precisam rolar dívidas no valor de US$ 50 bilhões e uma sanção pode ter um impacto profundo.

Empresas e indivíduos europeus estariam proibidos de comprar títulos de bancos estatais russos, além de ações. Se o impacto em Moscou é importante, ele também será sentido em Londres. Metade dos papéis da dívida de bancos russos foram comercializados na Europa.

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As sete horas de negociações entre chanceleres dos 28 países da UE revelaram a dificuldade de a Europa punir a Rússia e, ao mesmo tempo, evitar dar um tiro no pé. "Minha avaliação é de que esse pacote é um bom balanço", declarou Herman Van Rompuy, presidente do Conselho da Europa.

Um embargo total de armas será implementado, com um impacto de cerca de 3 bilhões de euros. Mas acordos já fechados com o Kremlin, como o que existe entre o governo da França e Putin para a venda de navios de guerra Mistral serão mantidos.

Centenas de empregos nos estaleiros franceses dependem do acordo de US$ 1,7 bilhão. A presidente da Lituânia, Dalia Grybauskaite, comemorou o acordo, mas não deixou de criticar Paris. "Infelizmente, nada vai parar o acordo do Mistral ainda", declarou.

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O pacote também prevê que certas tecnologias que possam ter um uso duplo - civil e militar - também serão afetadas pelo embargo. O impacto poderia chegar a 20 bilhões de euros.

Mas o pacote seria ainda completado com medidas para limitar os investimentos em novos projetos de energia na Rússia. A venda de tecnologia para a extração de petróleo em alto mar ou no ártico ficam proibidas. Mas não a tecnologia para o gás natural, que justamente abastece a Europa.

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Hoje, 30% do gás na UE é fornecido pelos russos. Na Ucrânia, a taxa chega a 90%. Uma vez mais, as medidas tiveram de ser desenhadas com cuidado.

"Essas são as sanções mais duras já implementadas", declarou James Nixey, especialista do think tank Chatham House. "Podem doer um pouco. Mas se trata do custo da segurança da Europa. É uma questão da credibilidade do Ocidente."

Além das sanções, a UE ampliou a lista de pessoas próximas a Putin que passaram a ter seus ativos congelados no exterior. A lista teve três nomes de empresas e oito pessoas adicionados. Dos novos nomes, três são aliados e amigos pessoais de Putin e um seria um oligarca de Donetsk.

No total, 87 pessoas e empresas já fazem parte da lista dos europeus e boa parte é integrante do Conselho Nacional de Segurança da Rússia. Vinte deles teriam seus ativos congelados e vistos negados. O objetivo é bloquear seus investimentos em alguns setores da economia da Crimeia e de Sebastopol, principalmente no que se refere à construção, transporte, telecomunicações e energia.

As novas sanções prometem aprofundar a crise diplomática entre países do Ocidente e a Rússia, além de testar a capacidade de a UE de fato agir. Mas Putin dá sinais que vai responder e poderia contra-atacar expulsando ou limitando as atividades de empresas europeias em seu país.

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Se o comércio dos EUA com os russos soma apenas US$ 38 bilhões por ano, o fluxo de exportações entre a Europa e Moscou é mais de dez vezes superior, o que torna uma sanção mais complicada. Hoje, a Rússia é o terceiro maior parceiro comercial da Europa e a UE é o maior destino das exportações russas. Em 2013, o fluxo de bens movimentou US$ 400 bilhões.

Com o Japão, a resposta de Moscou na segunda foi dura. "O anúncio por parte do Japão de sanções adicionais contra a Rússia é um ato hostil e impensado", disse um comunicado do Kremlin.

Pressão. As medidas foram anunciadas depois da reunião entre líderes de países europeus na segunda em uma videoconferência com o presidente americano, Barack Obama. Em Washington, o recado era claro: sanções apenas funcionarão contra Vladimir Putin se a Europa - o maior parceiro da Rússia -, seguir o mesmo caminho.

Por meses, líderes europeus alertaram sobre os riscos de isolar Putin. Uma das justificativas é que isso poderia dar força a posições extremistas por parte do Kremlin. Mas outro argumento era justamente da necessidade de proteger os investimentos europeus no mercado russo.

Na final da Copa do Mundo, o camarote oficial era uma prova de que Merkel e Putin ainda mantinham um diálogo. Os dois sentaram praticamente juntos para assinar a partida, separados apenas pela presidente Dilma Rousseff e Joseph Blatter. Quando o apito final foi dado, um dos primeiros a felicitar Merkel foi Putin.

Mas a queda do avião da Malaysia Airlines e a pressão americana mudou o tom dos europeus. "Uma anexação ilegal e uma desestabilização deliberada de um país vizinho não podem ser toleradas no século XXI", declararam o presidente do Conselho da Europa, Herman van Rompuy, e o presidente da Comissão Europeia, Jose Manuel Barroso. "Quando a violência sai do controle e leva à morte de quase 300 pessoas inocentes, a situação exige uma resposta. A UE vai cumprir sua obrigação de proteger seus cidadãos", declararam.

Em Washington, a Casa Branca comemorou a decisão da Europa e prometeu apresentar novas medidas ainda nesta terça. O secretário de Estado americano, John Kerry, insistiu que o Ocidente continuará a apertar a economia russa "se isso for necessário" e pediu um cessar-fogo imediato.

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Prejuízo. Se politicamente o acordo foi fechado, o setor privado europeu teme que as iniciativas adotadas por Bruxelas signifiquem importantes prejuízos não apenas para os russos, mas também para algumas das maiores multinacionais.

Na segunda, a BP foi a primeira a se pronunciar claramente contra as sanções. A empresa detém 20% da Rosneft, empresa com amplo controle estatal dos russos no setor de energia.

A Rosneft já estava na lista negra dos EUA, mas continuava isenta de qualquer sanção na Europa. "Se novas sanções forem implementadas contra a Rússia, contra a Rosneft ou a indivíduos, isso poderia ter um impacto negativo em nossos investimentos e objetivos estratégicos na Rússia e em nossa posição financeira e resultados de operações", declarou a BP.

Quem também deixou claro que vai sofrer é a Renault, que viu suas ações despencarem em 4% na segunda depois de indicar que as vendas caíram em 8% no mercado russo no primeiro semestre.

A empresa francesa controla a Avtovaz, a maior montadora russa e que fabrica o Lada. "Estamos numa situação em que é complicado saber que sanções serão aplicadas e quai serão seus impactos", disse Jérôme Stoll, um executivo da Renault.

Na Alemanha, o Deutsche Bank deixou claro em nota a investidores que os "eventos na Ucrânia podem impactar os mercados financeiros e nossos clientes". A Federação Alemã de Engenharia já indicou que a "mera perspectiva de sanções já levou empresas alemãs a perderem contratos na Rússia". A queda na venda em cinco meses chegou a 20%.

Na Áustria, a Câmara de Comércio prevê uma queda das exportações do país em 20% por conta das sanções contra a Rússia. Christoph Leitl, presidente do grupo, indicou que as empresas locais investiram mais de 8 bilhões de euros no mercado russo e agora temem por importantes prejuízos. / Com Claudia Trevisan, de Washington

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