PUBLICIDADE

União Europeia levanta sua ''cortina de ferro''

Bloco equipa novos membros do Leste Europeu com cercas eletrônicas e helicópteros para barrar imigrantes

Por Jamil Chade , UBL?A e ESLOVÁQUIA
Atualização:

Em 1989, quando caiu o Muro de Berlim, políticos de toda a Europa prometeram que o símbolo da Cortina de Ferro nunca mais seria erguido. Desde então, vários países do Leste Europeu aderiram à União Europeia. Vinte anos depois, uma nova cortina de ferro se ergue, desta vez separando a rica União Europeia dos países que deixaram de fazer parte da área de influência da ex-União Soviética, mas até agora não conseguiram se integrar ao bloco europeu. Assim como ocorria durante a Guerra Fria, milhares de imigrantes tentam todos os meses passar para o lado ocidental e muitos deles morrem no trajeto. Agora, não fogem do comunismo ou da falta de liberdade política. Fogem da pobreza, instabilidade e falta de desenvolvimento em países como Ucrânia, Bielo-Rússia, Sérvia, Albânia e na região do Cáucaso. Afegãos, paquistaneses e até chineses usam a mesma rota para tentar chegar até a Europa. Por ano, 500 mil estrangeiros entram ilegalmente na UE e a meta dos europeus é frear essa explosão imigratória. A tarefa não é fácil. No total, são quase 6 mil quilômetros da nova cortina de ferro, separando a UE do restante da Europa. A reportagem do Estado percorreu 2,7 mil quilômetros entre a Hungria, Ucrânia, República Checa, Polônia e Eslováquia para constatar que o patrulhamento das fronteiras é uma das prioridades políticas desses governos. Nos anos da Guerra Fria, a fronteira entre Leste e Oeste era formada por arames farpados, muros, tanques, soldados e minas. O perigo para o Ocidente não era a invasão de imigrantes, mas um eventual ataque militar. Além disso, quem se ocupava de evitar a fuga de seus nacionais eram os próprios regimes ditatoriais. Hoje, o medo não é de uma invasão de um Exército. Imigração, armas, drogas e contrabando estão no centro das atenções. No lugar de minas e tanques, a UE investiu na instalação de sensores, barreiras eletrônicas e um sistema informatizado ligado aos dados da Interpol e das agências de inteligência dos países europeus. A agência de segurança das fronteiras da UE, a Frontex, tem um orçamento para equipar países como a Eslováquia, Hungria e Polônia com um sistema altamente informatizado, helicópteros e até óculos para a visão noturna. Na cidade eslovaca de Ubl?a, guardas fortemente armados afirmam que patrulham a fronteira não apenas de seu país, mas de toda a UE. RESPONSABILIDADE Ironicamente, a UE exigiu que os países do Leste Europeu que aderiram ao bloco há 5 anos sejam os novos responsáveis por resguardar a Europa da imigração irregular e de criminosos. O acordo é simples: esses países teriam sua adesão aprovada se garantissem que poderiam fechar suas fronteiras aos cidadãos de fora da UE. O bloco já injetou 2 bilhões para ajudá-los e, hoje, todos os meios tecnológicos e soldados são usados para garantir que a imigração irregular e o tráfico sejam contidos na fronteira. Pelas regras estipuladas pela UE - conhecidas como Acordo de Schengen -, países dentro do bloco teriam suas fronteiras simplesmente suprimidas e seus cidadãos poderiam circular livremente. Em troca, as fronteiras exteriores da UE seriam reforçadas. Polônia, Hungria e Eslováquia foram alguns dos países que tiveram de se comprometer em criar muros contra seus vizinhos do leste. Mas, para isso, isolaram famílias ucranianas, sérvias, croatas e bielo-russas que por décadas estavam próximas às fronteiras que hoje são da UE. Em Ubl?a, na divisa entre Eslováquia e Ucrânia, a dona de um mercado, Jitka Kupicová, admite que já não vê suas amigas ucranianas com frequência. "É uma pena." Mas ela não deixa de mostrar, com orgulho, que aceita euros. Na Polônia, Tomasz, um agricultor de 29 anos, estima que sua cidade, Tarnawa Nizna, nunca mais será a mesma desde que a fronteira com a Ucrânia foi reforçada. "Agora, parece que vivemos em um centro militar." Do lado ucraniano, a percepção é de que os países do Leste Europeu que aderiram à UE esqueceram seu passado. "Eles não admitem que estão levantando uma nova cortina de ferro", acusou Petr, um vendedor de roupas em Kisszelmenc. DISPARIDADE Alguns, na UE, admitem que estão traindo seus vizinhos. "Sinto que estamos fazendo com nossos vizinhos ucranianos o mesmo que sofremos durante décadas", afirmou o diretor do Departamento de Educação da Universidade Eslovaca de Tecnologia, Miroslav Babinsky. Mas com uma disparidade social profunda entre as ex-repúblicas soviéticas que fazem fronteira com a UE e os países que conseguiram aderir ao bloco europeu, ativistas de direitos humanos e organizações internacionais alertam que levantar muros não é a solução. "Os imigrantes sempre encontrarão uma forma de superar obstáculos para fugir da pobreza", alertou Jean Phillip Chauzy, porta-voz da Organização Internacional de Migrações.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.