Urnas turcas forçarão Erdogan a negociar

Participação de curdos e nacionalistas frustra planos de premiê, que após obter 50% dos votos dependerá da oposição para mudar Constituição

PUBLICIDADE

Por Jürgen Gottschlich
Atualização:

DER SPIEGEL / ISTAMBULVencer uma eleição com aproximadamente 50% dos votos parece um resultado impressionante. Mas comparado à expectativa alimentada por Recep Tayyip Erdogan nos dias que antecederam a eleição parlamentar de domingo, na Turquia, essa vitória tem quase sabor de derrota. Durante a campanha, Erdogan anunciou que sua meta era obter uma maioria de dois terços no Parlamento, 367 das 550 cadeiras. Em vez disso, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AK, na sigla em turco), ao qual pertence, ficou com apenas 326 cadeiras, pouco menos das 331 que ocupava. Muito aquém da "supermaioria" que teria permitido ao AK alterar a Constituição turca de forma unilateral. A meta anunciada por Erdogan era começar o debate sobre a nova Constituição após as eleições e converter o sistema parlamentar num sistema presidencial com base no modelo francês. Ele ocuparia a presidência. Se tivesse alcançado ao menos 330 cadeiras, o AK poderia aprovar uma nova Constituição no Parlamento e submeter a decisão a um referendo, no qual seria grande a probabilidade de Erdogan ganhar. Com 367 cadeiras, o partido poderia alterar a Constituição sem referendo. Diante do resultado frustrante, ainda não se sabe se Erdogan vai mesmo tratar da nova Constituição. Ele disse que o AK debateria o tema com os partidos da oposição e outros que não fazem parte do governo, bem como a imprensa e ONGs. Além do AK, entre os demais eleitos para o Parlamento estão o Partido Popular Republicano (CHP), de centro-esquerda, e o Partido do Movimento Nacionalista (MHP), de extrema direita. O resultado inesperado para Erdogan decorre principalmente do comparecimento dos eleitores curdos e do ultranacionalista MHP. Com 36 cadeiras - tinham 20 na eleição anterior - os curdos terão papel importante nos debates constitucionais futuros. A questão curda deve voltar a ter importância na pauta política. Mas o fator mais determinante para o resultado foi a fatia de 13% dos votos conquistada pelo MHP. Pesquisas davam 10% das intenções de voto ao partido, em crise antes das eleições por causa de um escândalo com vídeos de sexo envolvendo políticos importantes. O CHP, de centro-esquerda, presidido por Kemal Kilicdaroglu, ficou aquém das expectativas, com menos de 26%. Ele não pôde concorrer com o histórico do AK na economia - nem com a popular política externa de Erdogan. A popularidade do premiê aumentou graças à sua posição assertiva com relação ao Ocidente, a seu compromisso com a causa palestina e, principalmente, à prosperidade dos últimos nove anos. Erdogan promete dobrar mais uma vez a renda per capita na Turquia nos próximos anos.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.