PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Uruguai e Guantánamo

Por Mac Margolis
Atualização:

O presidente dos EUA, Barack Obama, tem um problemão. Chama-se Guantánamo. O presídio, localizado na ilha de Cuba, foi criado depois dos atentados do 11 de Setembro, mas assombra o líder americano desde 2008, quando ele prometeu fechá-lo de vez na campanha eleitoral. Faltou combinar com o resto do mundo. Poucos países se ofereceram para acolher os detentos, a não ser aqueles que os queriam mortos ou mofando em masmorras locais. Foi a deixa perfeita para José Mujica. Não se sabe quem ligou para quem, mas, em algum momento, o presidente uruguaio surgiu como uma válvula de escape para o problema americano. A proposta chegou à Casa Branca este ano e ganhou asas na mídia global. Pelo enredo de Mujica, o Uruguai aceitaria abrigar cinco prisioneiros de Guantánamo que o Departamento de Defesa dos EUA autorizasse. Soa esdrúxula a proposta, mas há ainda 149 detentos em Guantánamo que permanecem presos por que não têm aonde ir. Assim, o gesto de Mujica abriu um clarão na região, onde a presença do presídio americano alimentava rancores e cutucava feridas mal curadas desde a Guerra Fria. Elogios. A saída uruguaia representaria uma espécie de acerto triplo na loteria diplomática: "win, win, win", no linguajar da política americana. Se vingasse a proposta, ajudaria Obama a cumprir a promessa de campanha de desmantelar a prisão que rachava sua base política e ele mesmo denunciava como uma mancha no currículo democrático dos EUA. Atenderia também ao anseio dos países vizinhos, que viam na base carcerária um atentado aos direitos civis e humanos, garantidos na própria Constituição americana. Ainda livraria centenas de detentos de um angustiante limbo jurídico, que os deixava nem condenados, nem livres. Anunciada em março deste ano, a iniciativa de Mujica correu o mundo. Mais uma vez, o Uruguai tornou-se um para-raio de elogios internacionais. Laico e destemido, avesso à tutela de vizinhos poderosos, esse modesto país de 3,4 milhões de habitantes na América do Sul já virara palco de políticas ousadas. Há uma década, o governo trava batalhas nos tribunais internacionais contra multinacionais de tabaco para cercear a venda de cigarros. Mujica, eleito em 2010, ampliou o ativismo do Estado, patrocinando leis para legalizar o aborto, a união entre homossexuais e o consumo da maconha. Por que não abrir as fronteiras para os degredados da "guerra contra o terror"? Afinal, Mujica conhece como poucos as mazelas da cadeia. O ex-guerrilheiro tupamaro passou 14 anos no calabouço da ditadura uruguaia. "É uma desgraça", disse Mujica, no início do ano, à imprensa local, ao justificar sua iniciativa para acolher os detentos de Guantánamo . "Faço isso pela humanidade." Ou melhor, também pela humanidade. Raposa política, Mujica não desperdiça oportunidade. "Não costumo fazer favores de graça", disse à imprensa, em março. É que, em troca de aliviar Obama de seus prisioneiros, o uruguaio exigiria a libertação de três cubanos, presos nos EUA por espionagem. Com isso, Mujica ganharia mais um freguês: o governo cubano. Ganhando Havana, o presidente uruguaio abriria caminho para que Raúl Castro soltasse seu prisioneiro e troféu, o americano Alan Gross, preso na ilha desde 2009. Americanos, latino-americanos, cubanos e encarcerados variados. Esvaziam-se as cadeias e todos vencem. Gesto. Parece bom demais para ser verdadeiro. E é. Embora haja uma justiça poética na proposta, a jogada uruguaia tropeça no seu próprio emaranhado. Metade dos uruguaios, entre eles dois ex-presidentes, já se manifestaram contra o recebimento dos detentos de Guantánamo. Mujica também sabe que a Casa Branca dificilmente aceitaria negociar com Cuba, a pequena ilha que aprisiona a política externa americana há meio século. Pode até ser que o hábil uruguaio nem conte com uma vitória. Com um único gesto acenou para todas as galerias: latinos, gringos, castristas e mujaheddin. Demonstrou sua boa vontade a todos, mesmo que jamais passe disso. É COLUNISTA DO 'ESTADO' E CHEFE DA SUCURSAL BRASILEIRA DO PORTAL DE NOTÍCIAS 'VOCATIV'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.