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Vaticano entra em guerra contra a guerra

Por Agencia Estado
Atualização:

Deus é um dos atores mais constantes na atual crise iraquiana: até mesmo Saddam Hussein, que sempre pareceu um "leigo", descobre Deus de repente e se põe a pregar a "jihad" (a guerra santa). Por sua vez, George W. Bush não dá nenhuma entrevista à imprensa sem invocar Deus, o cristianismo, o diabo, o mal, o bem, etc... O paradoxo é que as autoridades cristãs - sejam elas católicas ou protestantes - não têm nenhuma inveja de seguir o exemplo de Bush em sua "cruzada". O papa, em particular, empenha todas as suas forças na guerra - a guerra contra a guerra. Desde o final do ano passado, a Rádio Vaticano vem expressando sua desaprovação em relação a uma ação armada contra o Iraque. Essa desaprovação era feita então por vias flexíveis, diplomáticas. Com o tempo - e como a obstinação de Bush foi se tornando cada vez mais incontrolável - o papa mudou de estratégia: agora, ele aciona, em plena luz, todas as alavancas de seu poder com um único objetivo: bloquear a máquina de guerra norte-americana. Qual o arsenal à disposição do papa? Nenhum fuzil, é evidente. Mas, uma imensa potência de mídia, da qual João Paulo II se utiliza com galhardia. Tracemos o organograma dos regimentos e das armas que o papa pode acionar. E que ele efetivamente aciona. A Rádio Vaticano é sua "força de ataque" preferida: programas diários nas 29 línguas principais do mundo (e, além disso, emissões em 10 línguas menos universais). Essas tribunas da Rádio Vaticano são reproduzidas em cada país nas retransmissões das emissoras católicas locais. O número de ouvintes se eleva a dezenas e dezenas de milhões. A Internet permite evidentemente tomar conhecimento, de forma contínua, das opiniões da Rádio Vaticano. No coração deste dispositivo está um homem, o jesuíta Pasquale Borgomeo, que assina os editoriais, com seu estilo vivo, conciso, que reflete com toda a certeza a opinião do próprio papa (crítica contra a visão unilateral do líder norte-americano e confiança absoluta no papel da ONU). Reencontramos os jesuítas na "Civiltà Cattolica", cuja tiragem é muito fraca (15.000 exemplares), mas cuja influência é forte, porque a revista é endereçada a todos os dirigentes católicos italianos. Há algumas semanas, a "Civiltà Cattolica" publicou um artigo severo: "Não! a uma guerra preventiva contra o Iraque" - considerado como a posição oficial de João Paulo II. Ele não hesita em denunciar, entre outras coisas, as considerações geopolíticas e petrolíferas implícitas na Cruzada contra o Iraque. O jornal do Vaticano, "L´Osservatore Romano", desempenha um papel não desprezível. Seu diretor, o professor Marco Agnes, luta também ardentemente contra a guerra: "A guerra não é inevitável", é o título dado por ele a um de seus artigos. Portanto, devemos impedi-la. Há enfim a revista de grande difusão: "Famiglia Cristiana" (aproximadamente quatro milhões de leitores), dirigida por Antonio Fortino, bastante hostil em relação à política norte-americana. O papa, embora organizando o conjunto de suas máquinas antibélicas, reserva entretanto um tempo para continuar uma obra literária. Nesta semana, é lançada simultaneamente em Roma e em Cracóvia, uma coleção de poemas, de 40 páginas, sob o título: "Tríptico Romano". Com certeza, em tempos passados, Karol Wojtyla (João Paulo II) escreveu poemas e peças de teatro. Mas este é seu primeiro retorno à literatura desde sua eleição como papa. A coleção fala sobre o desejo dos seres humanos de chegar ao seu Criador. "Você deve ir para o alto, contra a corrente". O pai de todos os crentes, isto é, Abraão, é evocado nesta perspectiva: "Continua o caminho, Abraão, até o fim, faze aquilo que tens a fazer!". Mais adiante, o papa sonha com sua própria morte e até mesmo com a eleição de seu sucessor. Ele nos introduz no conclave, na Capela Sistina, sob o afresco "O Juízo Final", de Michelangelo. Eu ainda não li o livro, cuja data de publicação foi 6 de março, quinta-feira. Os que o leram falam de um grandíssimo talento e já especulam se o papa não poderia ser contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura. Mas, enfim, estes primeiros leitores são todos homens do Vaticano. Vamos esperar para ver.

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