Vazamento de dados revela aumento de influência iraniana no Iraque

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Por Gustavo Chacra
Atualização:

O vazamento de quase 400 mil documentos sobre a Guerra do Iraque ocorre no momento em que cai a influência dos EUA sobre a política iraquiana e aumenta o domínio do Irã sobre Bagdá. Uma das milícias que, segundo os papéis divulgados pelo WikiLeaks na sexta-feira, foi treinada pelo regime de Teerã deve integrar a coalizão proposta pelo premiê iraquiano, Nouri al-Maliki.Opositores ao atual primeiro-ministro disseram ontem, no Iraque, que as acusações de tortura contra as forças iraquianas colocam em cheque a permanência de Maliki no poder, acentuando ainda mais a instabilidade política quevive o país desde as eleições de março. O novo governo não foi oficializado e o premiê segue interinamente no poder."A política iraquiana tem se distanciado da influência dos EUA", disse ao Estado o ex-diretor de Inteligência para o Oriente Médio Wayne White. Segundo o especialista, atualmente no Instituto de Oriente Médio em Washington, "é bem provável que a nova coalizão de governo de Maliki seja consideravelmente mais próxima do Irã do que dos Estados Unidos".De acordo com os documentos divulgados pelo WikiLeaks, as forças militares do Irã treinaram combatentes xiitas mais do que era imaginado, fornecendo também armas e mesmo concedendo abrigo a milícias que lutavam contra as tropas americanas. Um dos principais líderes destes grupos ligados a Teerã é o clérigo radical xiita Moktada al-Sadr que, apesar da oposição dos EUA, foi convidado pelo primeiro-ministro para participar do novo governo, em um sinal de fortalecimento dos aliados iranianos no Iraque.Maliki acusou ontem o grupo WikiLeaks de detalhar abusos contra detentos para sabotar seu projeto de continuar no cargo. Em nota, afirmou que a divulgação desperta suspeitas de motivos eleitoreiros e que nenhum documento prova tratamento impróprio de prisioneiros durante o seu mandato. Maliki tomou posse em 2006.Opositores aproveitaram o episódio para criticar o premiê. "As práticas e violações cometidas por Maliki nos levam a insistir em participar das decisões porque atualmente ele concentra todos os poderes em suas mãos", disse Maysoun al-Damlouji, porta-voz do grupo Iraqyia, principal força opositora.Maliki conseguiu duas cadeiras a menos que o seu principal rival, o ex-premiê Ayad Allawi, líder da Iraqyia. Apesar de também ser xiita, Allawi é mais moderado do que Maliki e sua coalizão conta com o apoio das mais importantes facções sunitas do Iraque. Com a vitória, ele tentou formar um novo governo, mas não conseguiu maioria. Maliki, em acordo com curdos e facções xiitas radicais aliadas do Irã, diz ser capaz de compor uma nova administração. Os EUA criticam a ausência de árabes sunitas no governo. De acordo com os documentos, a maioria das vítimas de tortura e de atrocidades cometidas pelas forças iraquianas são sunitas. Antes da queda de Saddam Hussein, em 2003, o cenário era o inverso. Os sunitas, minoritários no Iraque, controlavam o governo e reprimiam os xiitas. Além do aumento da influência do Irã e das torturas cometidas pelas forças iraquianas, os documentos do WikiLeaks revelam também que a morte de civis nas mãos dos iraquianos e das forças americanas são maiores do que dizia o governo dos EUA. Pelo menos 109 mil iraquianos morreram, sendo 70 mil civis.O Pentágono condenou o vazamento de informações. "O WikiLeaks colocou em risco a vida de nossas tropas, de nossos parceiros na coalizão e de iraquianos e afegãos trabalhando conosco", disseram em nota os EUA. Ontem, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, defendeu o vazamento. "Esperamos corrigir alguns dos ataques contra a verdade que ocorreram antes da guerra, durante a guerra e que continuam mesmo depois que a guerra foi oficialmente declarada como concluída", disse.

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