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Venezuela perde quase metade de sua economia em cinco anos, diz ONU

A partir de 2014, o PIB venezuelano passa ter retração constante, algo inédito na América Latina; de acordo com funcionários da organização, não há uma perspectiva de que o desastre econômico esteja perdendo força no país

Por Jamil Chade ,  CORRESPONDENTE , GENEBRA , e Alicia Hernández e CARACAS
Atualização:

Em apenas cinco anos, a crise fez desaparecer 44% da economia venezuelana e, em 2018, o país registrou a maior queda do PIB em todo o mundo. Os dados da ONU são considerados como a primeira informação completa sobre a dimensão real dos problemas enfrentados pelo governo de Nicolás Maduro.

Homem vigia pilha de alimentos subsidiados prestes a serem distribuídos em um distrito de Caracas Foto: AP Photo/Rodrigo Abd

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Nerio Marin tem 50 anos. Com sua idade deveria estar se preparando para desfrutar da aposentadoria e certa independência depois de uma vida trabalhando como caminhoneiro. No entanto, teve de ir morar com os filhos. “Desde o ano passado a situação piorou. Tive de ir morar de favor, pois não tenho dinheiro para pagar aluguel. Recebo 9 mil bolívares por quinzena (US$ 3, segundo o câmbio oficial). Isso não dá nem para comprar uma bandeja de ovos e quando recebo o salário ele não dura nem uma manhã. Janeiro foi muito duro”, conta sem esperança, sentado em uma praça de Caracas.

“Antes, com meu salário podia pagar a universidade de meus filhos mais velhos e agora não posso nem comprar sapatos para meu caçula. Os dois mais velhos foram para o Chile e enviam dinheiro, com isso sobrevivo. Sinto tristeza em viver assim, pois nunca fui vagabundo e sempre trabalhei para comprar minhas coisas. Mas agora nem consigo pagar um quilo de queijo”, acrescenta Marin.”

“A economia está em queda permanente e cada dia que passa estamos pior. 2018 teve o pior desempenho econômico dos últimos 40 anos e não apenas pela recessão. Houve uma redução do PIB de 10%, principalmente por causa do problema da hiperinflação, que não para”, disse o economista Omar Zambrano. 

Ele explica que agora a Venezuela criou duas classes: os que não têm acesso aos dólares e os que recebem alguma coisa, porque o ganham ou recebem remessas do exterior. “Esse é o único fator que tem ajudado a amenizar o que está acontecendo. A imigração ajuda, os filhos emigram e enviam dinheiro a seus pais ou avós. Mas há pessoas que não têm ninguém no exterior e elas são as que sofrem mais.”

A inflação passou a hiperinflação no ano passado e o FMI estima que ela chegará a 10.000.000% no final deste ano.  Em outra parte da cidade, em Dos Caminos, Karla Moreno, uma administradora de 27 anos, espera um ônibus. Usa sapatos surrados e está desempregada. Para ela, a coisa começou a “ficar feia” desde 2014, mas ela sente que cada dia fica pior. “Desde o fim de 2018 e agora em 2019 as coisas só pioraram, muito mais que nos anos anteriores.”

Karla é chavista e apoiou Nicolás Maduro, mas mostra dúvida ao ser questionada sobre a culpa da situação atual. “O governo. Mas também há cidadãos que se aproveitam da situação, como os revendedores e os da economia informal que todos os dias sobem os preços dos produtos que conseguem. Bem, obviamente, o governo é quem tem a capacidade de acabar com tudo isso e ele não apresentou nenhum tipo de solução, que é o que desejamos”, admite Karla.

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Como muitos jovens na Venezuela, Karla decidiu emigrar. Vai para Santiago do Chile, onde tem uma amiga que mora lá há cinco anos e porque obteve o “Visto de Responsabilidade Democrática”. “Vou de forma legal”, declarou.

O economista Zambrano explica que, desde o ponto de vista da população, esta queda da economia é muito destrutiva. “As pessoas começam a sentir o problema da falta de dinheiro. Parte do fluxo migratório tem a ver com isso. É a impossibilidade de manter com os próprios meios um nível mínimo de consumo, do básico. É muito perigoso, pois é um poder destrutivo do tecido da sociedade. As pessoas se desagregam, vão embora, as pessoas deixam de trabalhar porque não tem sentido ser assalariado.”

Karla estudou muito e sente que quando trabalhava como administradora de uma padaria o salário não estava de acordo com sua formação. “O dinheiro não era suficiente para mim nem para os outros funcionários. Alguns passavam seus dias de folga trabalhando ou faziam horas extras. Os outros pediam vales. Ou seja, pegar dinheiro emprestado ou levar alguma coisa de consumo para casa.”

A percepção para a maioria dos venezuelanos é a de que as coisas pioraram consideravelmente há três anos. Assim pensa, por exemplo, Janeth González, que trabalha como caixa. Como ocorre com a maioria, sua roupa está desgastada. Outro sintoma do empobrecimento da população se vê no descuido de sua imagem. Antes era impensável ver uma venezuelana com o cabelo sem escova, alisado ou tingido. O cabelo de Janeth está preso em um rabo de cavalo, tem as raízes brancas e as unhas descuidadas. “As coisas estão muito difíceis. Ganho salário mínimo e meu chefe às vezes me dá bônus. Com isso vou me virando.”

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A queda da economia pode ser vista na Missão Alimentação, um plano que o governo de Hugo Chávez adotou para dar aos mais pobres comida a preços acessíveis. Naquela época, isso significava grandes supermercados com produtos como arroz, farinha de milho, açúcar ou óleo a preços tabelados. Hoje decaiu tanto que se tornou uma caixa cujo conteúdo varia, mas nunca tem proteína animal ou vegetais. 

Janeth está inscrita no Carnê da Pátria, um sistema do governo Maduro que concede um credito mensal, e também recebe a caixa com mantimentos. “Isso ajuda, mas realmente a situação não é como antes, o dinheiro não dá para chegar até o fim do mês”, diz Janeth. “Não é a mesma comida de antes. Você podia comprar frango, carne. Agora não dá. Já faz um ano que não sei o que é isso.” Ela acrescenta que só come duas vezes por dia.

Ao longo dos últimos anos, Caracas determinou a proibição da publicação de dados sobre inflação e desemprego. Mas, nas divisões de estatísticas das Nações Unidas, as estimativas apontam que o ano de 2013 foi o último em que houve algum tipo de expansão da economia local. Mesmo assim, o crescimento foi de apenas 1,3%. 

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A partir de 2014, todos os números passaram a ser negativos. Naquele ano, a contração foi de 3,9%, seguido por uma nova queda de 5,7% em 2015. Um ano depois, a contração somou 16,5%, 14% em 2017 e 15% em 2018, o pior desempenho do mundo. Mas, para o Fundo Monetário Internacional (FMI), a queda de 2018 foi ainda maior, chegando a 18%. 

No total, portanto, a ONU estima que quase metade do PIB da Venezuela desapareceu em apenas cinco anos, algo inédito na América Latina em décadas. No restante do mundo, mesmo o colapso da economia grega e o default declarado custou “apenas” 20% do PIB do país europeu ao longo de sete anos. 

Mesmo antes da atual turbulência iniciada pela ofensiva da oposição, as estimativas já apontavam para uma nova queda do PIB de 8% em 2019. Mas fontes na entidade estimam que esse resultado pode ser ainda pior. 

“A Venezuela entra em seu quinto ano de recessão”, indica a ONU, em um levantamento global. “Ainda que a real dimensão da crise seja difícil de ser mensurada, as estimativas apontam que a economia sofreu uma contração de mais de 40% desde 2013”, declarou. “O colapso da economia foi acompanhada por um aumento de desemprego, falta de alimentos e de remédios, causando um aumento da violência”, constatou. 

Na avaliação da ONU, porém, não há uma perspectiva de que o desastre econômico esteja perdendo força. “Com a produção de petróleo em queda e a inflação em alta, o fim do colapso econômico da Venezuela não está no horizonte”, alerta. 

Dados da Agência Internacional de Energia apontam que a crise fez com que a produção de petróleo na Venezuela sofresse um recuo de 20 anos. Ao final de 2018, a produção ficou abaixo de 1 milhão de barris por dia, longe dos 3,3 milhões de barris no auge de suas atividades. 

Guerras

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O temor é o de que a crise venezuelana possa entrar na mesma rota da economia da Síria, país que registrou mais de 300 mil mortes e é qualificado pela ONU como o pior desastre humanitário do século 21. De acordo com o FMI, a Síria perdeu 75% de seu PIB ao longo dos sete anos de guerra. No atual ritmo, mais dois anos de crise na Venezuela faria com que a perda fosse similar. 

A situação de Caracas não estaria longe ainda do impacto da 2.ª Guerra nas economias da Alemanha e Japão. Analistas do banco britânico RBS estimaram que, na Alemanha, 66% do PIB desapareceu entre 1939 e 1945. No Japão, a queda foi de 52% no mesmo período. 

Na busca por manter o governo, Nicolás Maduro despachou para Londres há poucas semanas um grupo de funcionários para negociar a recuperação de US$ 1,3 bilhão em barras de ouro que estão depositadas no Banco Central da Inglaterra. 

Londres, porém, rejeitou a liberação do ouro, depois que o governo dos EUA determinou o congelamento de centenas de contas envolvendo a cúpula chavista. Os britânicos também reconheceram Juan Guaidó como presidente da Venezuela. 

No total, estima-se que o BC venezuelano mantenha reservas internacionais de US$ 8 bilhões. Parte do dinheiro estaria na Turquia, aliada de Maduro. Mas as barras mantidas em Londres são consideradas como estratégicas. 

No auge de seu governo, Hugo Chávez transferiu para Genebra cerca de US$ 15 bilhões em reservas internacionais. O dinheiro foi transformado em barras de ouro e distribuído em alguns dos principais bancos centrais do mundo. Em 2011, Chávez repatriou para a Venezuela cerca de US$ 11 bilhões do ouro que estava no Banco da Inglaterra. Agora, no entanto, o ouro que sobrou nos cofres em Londres aguarda por uma definição política em Caracas.

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