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Venezuelanos fogem de Chávez

Alarmados com a radicalização do discurso do presidente, integrantes das classes média e alta deixam o país

Por Ruth Costas
Atualização:

Na Flórida, eles são chamados de "balseiros do ar", em contraposição aos dissidentes cubanos - esses sim, balseiros legítimos -, que costumavam chegar às praias da região à medida que Fidel Castro fechava o cerco contra os opositores na ilha. Os imigrantes venezuelanos eram relativamente raros em qualquer canto do mundo até o presidente Hugo Chávez assumir o poder, em 1999. Hoje, são cada vez mais numerosos em países como Espanha, Canadá, Austrália, Panamá e, principalmente, Estados Unidos - onde, ao contrário dos cubanos, chegam de avião (daí o termo "balseiros do ar") e com os bolsos recheados de dólares. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas tenham saído da Venezuela na última década, embora o governo não divulgue dados oficiais. O país tem 26 milhões de habitantes. Integrantes das classes média e alta, os venezuelanos se destacam dos outros emigrantes latino-americanos por terem um elevado nível de instrução e porque emigram não tanto pelos motivos econômicos clássicos, mas principalmente porque estão fartos de Chávez. Só na Espanha, o número de venezuelanos aumentou cinco vezes desde que Chávez tomou posse pela primeira vez. Nos EUA, atualmente vivem 160 mil venezuelanos com visto de residentes - há cinco anos eram 80 mil. Além disso, outras centenas de milhares de cidadãos desse país estão hoje em território americano com visto de trabalho e estudo - e muitos têm intenção de ficar. Não é à toa que a cidade de Weston, na Flórida, já ficou conhecida como "Westonzuela". "A corrida para engatilhar um plano B deslanchou definitivamente no início do ano, quando Chávez assumiu seu terceiro mandato e anunciou as reformas para implementar o socialismo na Venezuela", disse ao Estado Esther Bermúdez, diretora do Mequieroir.com - site criado em 2001 que virou um sucesso na Venezuela oferecendo consultoria e 800 páginas de informações para quem quer morar, estudar ou trabalhar fora. "A percepção de que o governo está ficando mais radical e autoritário e a insegurança gerada por suas interferências na economia, educação e meios de comunicação fazem com que um número crescente de pessoas pense em viver fora da Venezuela." Depois que Chávez anunciou a estatização dos setores de telefonia e energia, em janeiro, e proclamou "socialismo ou morte" na Venezuela, o número de pedidos de vistos para os EUA duplicou, passando de 400 para 800 por dia. O Mequieroir.com viu seus acessos diários aumentarem 200%, de 20 mil para 60 mil usuários. "Também está ocorrendo uma mudança no perfil dos que querem deixar o país", diz Bermúdez. "Antes, éramos procurados por solteiros ou jovens casais sem filhos; agora, famílias inteiras estão em busca de uma alternativa fora da Venezuela." De acordo com um estudo da consultoria Datanálisis, com sede em Caracas, 35% dos venezuelanos sairiam do país se tivessem oportunidade. No fim da década de 90, esse índice variava de 19% a 26%. Ainda, segundo a enquete, nada menos que 15% dos entrevistados já realizaram algum trâmite para deixar a Venezuela - como pedir vistos em consulados de outros países, legalizar papéis e enviar currículos para empresas estrangeiras. PERFIL DIFERENCIADO Com dinheiro no bolso e um bom nível de estudo, para os venezuelanos costuma ser mais fácil chegar em outro país que para outros imigrantes do Terceiro Mundo. "Eles têm maiores chances de conseguir um bom trabalho", disse ao Estado Elio Aponte, presidente da Organização dos Venezuelanos no Exílio (Orvex), com sede em Miami. "A verdade é que a maior parte de nós tinha um bom emprego e estava bem na Venezuela até que Chávez começou a interferir em todas as instâncias da vida das pessoas." Nos EUA, aqueles que têm US$ 500 mil para investir não têm dificuldade para conseguir permissão para ficar. Mais de mil venezuelanos também estão pedindo asilo político. "Isso, porém, é mais complicado porque, como Chávez tem o cuidado de tomar as decisões amparado em leis e regras à primeira vista legítimas, é difícil comprovar que um cidadão está sendo perseguido ou que sua vida corre perigo na Venezuela", diz Oscar Levin, advogado especialista em imigração baseado em Miami, na Flórida. Levin conta que, há alguns anos, os venezuelanos que chegavam à região eram grandes empresários com medo que seus ativos fossem confiscados pelo governo. "Agora estamos recebendo um número crescente de profissionais liberais, como médicos e dentistas", diz. Alguns temem que seus filhos sejam doutrinados em escolas bolivarianas (Chávez levou o pânico à classe média venezuelana ao prometer uma reforma radical para expurgar os "valores individualistas" do sistema educacional do país). Outros estão incomodados com a insegurança jurídica e as constantes ameaças de estatizações, das quais foram alvo até as clínicas de saúde e redes de distribuição de alimentos. O que todos têm em comum é a vontade de conseguir viver num lugar onde o futuro pode ser minimamente planejado. "O grande perdedor dessa história é a economia da Venezuela, que sentirá a falta dos profissionais qualificados que partiram", opina Francine Jácome, do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos. Ela lembra o caso dos 18 mil funcionários da estatal petrolífera PDVSA, demitidos após a greve de 2003. Estigmatizados como "inimigos do governo" e sem conseguir emprego na Venezuela, muitos foram para países do Oriente Médio, além de Canadá, EUA e México. "Hoje a PDVSA tem dificuldade para encontrar os técnicos que precisa no mercado local", diz Francine. "A tendência é que isso ocorra em outros setores da economia no curto e médio prazo."

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