Verificação por critério de raça motiva reação na França

Líderes de organizações muçulmanas ocupam vácuo deixado pelo Estado e prestam auxílio a jovens marginalizados

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Por Andrei Netto , Correspondente e Paris
Atualização:

PARIS - Ao ver as fotos dos quatro policiais que agrediram sexualmente o jovem Théo L. em Aulnay-sous-Bois, Samir Es Sahibi, de 18 anos, reconheceu seus algozes. Três meses antes, o jovem morador da cidade vizinha de Sevran foi espancado pelo mesmo grupo de policiais, conhecidos no bairro como racistas e de extrema direita. A agressão que ele diz ter sofrido aconteceu durante uma abordagem para verificação de identidade - um dos pontos de maior atrito na periferia de Paris. A prática tem um nome próprio na França: “contrôle au faciès”, que poderia ser traduzido para controle por origem étnica.

Segundo associações de defesa dos direitos humanos, a polícia da França pratica discriminação ao ter como alvo constante franceses muçulmanos de origem árabe ou negra. Em bairros pobres de periferia parisiense, os relatos dessa abordagem são abundantes.

Manifestação pede "Justiça para Theo" após acusação contra policial de abuso contra um jovem da periferia de Paris Foto: AFP

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“No momento em que nos abordam, os policiais já nos jogam contra o muro. Eles não perguntam nada antes. Mesmo que não tenhamos feito nada, eles chegam batendo com cassetetes”, afirma Es Sahibi. A tensão, dizem os jovens e membros de associações, aumentou desde que o estado de emergência foi decretado em 14 de novembro de 2015, dia seguinte aos atentados do Estado Islâmico em Paris e Saint-Denis. O regime de exceção amplia os poderes da Justiça, do Ministério Público e da polícia, que desde então não precisa de mandado judicial para realizar operações complexas, como inspeções de imóveis ou prisões domiciliares.

“O ‘contrôle au faciès’ é cotidiano. Se levarem um jovem de 18 anos para a delegacia, ele certamente será agredido”, diz Mamadou Bouné, de 23 anos. Entre os jovens, a inconformidade empurra alguns para os protestos violentos que são realizados contra a polícia em cidades como Aulnay-sous-Bois ou Paris.

Para Kadri Said, sociólogo de 33 anos e morador de Sevran que aos 21 anos participou das revoltas de 2005, a França está à beira de uma nova explosão de tensão nas periferias. “Quando eu era pequeno, a polícia vinha ao bairro para fazer atividades com as crianças nas férias. Os policiais eram meio educadores, mas depois militarizaram a polícia. A primeira coisa que as crianças veem hoje são as algemas. Não há mais diálogo”, conta Said. “É uma pena, mas estamos de novo à beira da revolta.”

A constatação dos moradores de periferia foi ouvida pela reportagem do Estado com frequência também entre membros de associações, ONGs e estudiosos das periferias. Essas pessoas conversam cotidianamente com os jovens insatisfeitos, sem oportunidades, marginalizados e discriminados. 

“A relação entre a polícia e os moradores é agressiva, marcada pela ironia, pela provocação, pela violência, pela discriminação. E os jovens de periferia são confrontados com essa realidade todos os dias”, diz Faozi Lellouchi, de 51 anos, fundador da associação Baraka, que auxilia crianças e adolescentes na cidade de Sevran. O trabalho dessas ONGs tem sido cada vez mais importante nas periferias para reduzir a tensão. Por outro lado, como muitas são ligadas a movimentos islâmicos, são com frequência apontadas como centros de proselitismo religioso.

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Para Almamy Kanoute, de 37 anos, professor de adolescentes infratores na periferia norte de Paris, questões como a luta contra a violência policial e a discriminação de fato são um foco de alta tensão. Mas a criação de movimentos pacíficos é um sinal de maturidade.

“Eu mesmo sofri as brutalidades da polícia e não suporto os dois pesos e duas medidas com os quais a sociedade é tratada”, diz Kanoute. “As pessoas decidiram denunciar e agir. Quando vira um hábito policiais fazerem o que bem entendem sem serem enquadrados, as pessoas acabam por se perguntar para que serve a Justiça.” 

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