PUBLICIDADE

Vi a crise antes do FED

Greenspan disse que ninguém percebeu a tormenta financeira antes do naufrágio, mas não foi bem assim

Por Michael J. Burry
Atualização:

Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), afirmou no mês passado que ninguém podia prever a bolha imobiliária. "Ninguém se deu conta", disse, "Nem os especialistas, nem o Fed, nem as autoridades reguladoras". Mas não foi bem assim. Em 2005 e 2006, alertei os clientes da minha companhia de investimentos, Scion Capital, que o mercado hipotecário derreteria no segundo semestre de 2007. Minhas previsões tinham como base pesquisas feitas no mercado hipotecário e de títulos respaldados em hipotecas. Após estudar os documentos enviados às autoridades reguladoras sobre esses títulos, esperei que as instituições de crédito começassem a oferecer as hipotecas mais arriscadas a compradores menos qualificados. Sabia que seria o começo do fim da bolha imobiliária e os preços haviam chegado ao seu teto. Comecei a me preocupar com o mercado da habitação em 2003, quando as instituições de crédito ressuscitaram as "interest-only mortgages" (hipotecas em que está previsto só o pagamento mensal dos juros), abrandando suas normas para a concessão de crédito. Até o fim de 2004, essas hipotecas passaram a ser oferecidas a um número cada vez maior de tomadores subprime. As instituições de empréstimo vendiam estes empréstimos arriscados a Wall Street, e eles eram incluídos em pacotes de títulos respaldados em hipotecas, passando para frente a maior parte do risco. Essas instituições se preocupavam mais com a quantidade de hipotecas que vendiam que com sua qualidade. Enquanto isso, os compradores de imóveis residenciais, convencidos que esses imóveis sempre se valorizariam, assinavam prontamente qualquer hipoteca. O incentivo para as fraudes era enorme. As agências de rating aprovavam os títulos respaldados em hipotecas sem muito cuidado. Seguros. Em meados de 2005, já tinha tanta confiança em minha análise que resolvi prevenir o pior com garantias e seguros contra calotes no valor de bilhões de dólares em títulos respaldados por hipotecas em bônus de financeiras. Essas operações cobriram muitas das firmas que entraram em colapso, como a seguradora American International Group, a Fannie Mae e a Freddie Mac. Fiz essas transações suspeitando que minhas contrapartes em Wall Street talvez não conseguissem ou não quisessem pagar quando chegasse o momento, diversifiquei os seguros para minimizar minha exposição a elas. Estava convencido de que o colapso das hipotecas subprime levaria à falência grandes instituições financeiras. Durante o ano de 2007, liquidei a maior parte das nossas garantias com um lucro considerável. No início de 2008 liquidei as posições restantes. Isso aconteceu muito antes das operações de salvamento do governo. Mas eu operava com a forte oposição dos meus investidores e de Wall Street. Desanimado, fechei a Scion Capital em 2008. Desde então, tenho me perguntado por que ninguém em Washington quis ouvir como eu havia previsto a explosão da bolha. Uma semana atrás, tive a resposta. Greenspan afirmou que minha intuição havia sido uma "ilusão estatística" - talvez eu fosse um jogador de sorte. Ele disse que participou de inúmeras reuniões no Fed com economistas de renome e nenhum deles alertou sobre o problemas. Mas ele devia ter percebido o que estava prestes a acontecer e feito uma advertência. Todos teriam ouvido. Em fevereiro de 2004, meses antes de o Fed anunciar o fim de uma longa série de cortes dos juros, Greenspan disse aos americanos que eles perderiam se deixassem de aproveitar das hipotecas a juros ajustáveis e preços menores. E sugeriu aos bancos que "os consumidores americanos poderiam se beneficiar se as instituições de crédito oferecessem mais alternativas de produtos hipotecários". Mas a maré estava prestes a mudar. Em dezembro de 2005, as hipotecas subprime emitidas seis meses antes, já apresentavam taxas de inadimplência elevadas. Os sinais estavam ali. Em vez disso, nossos governantes em Washington, deliberadamente ou por ignorância, ajudaram a sustentar a bolha. E mesmo quando, no início de 2007, toda a extensão da crise financeira ficou evidente e eles subestimaram reiteradamente a gravidade do problema, ficando com um só instrumento disponível para agir - as operações de ajuda financiadas pelos contribuintes. Greenspan deveria usar seu grande intelecto e conhecimento para averiguar como foi que ele e os outros funcionários perderam o barco. É VICE-PRESIDENTE DE ESTUDOS DE POLÍTICA EXTERNA E DEFESA NO AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.