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Vice-chanceler de Honduras acusa Brasil de ingerência

Em entrevista à BBC, Martha Lorena Alvarado diz que restituição de Zelaya 'não é viável'.

Por Pablo Esparza
Atualização:

A vice-chanceler do governo interino de Honduras, Martha Lorena Alvarado, acusou o Brasil de ingerência nesta terça-feira por permitir que o presidente deposto Manuel Zelaya mobilize manifestantes a partir da embaixada brasileira em Tegucigalpa, onde está abrigado. Em entrevista à BBC, Alvarado negou que o governo tenha ordenado que as forças de segurança de Honduras disparassem tiros para dispersar os simpatizantes de Zelaya reunidos diante da embaixada. A vice-chanceler de Honduras diz que o governo do país considera o Brasil responsável por um possível "derramamento de sangue" caso a tensão aumente diante da embaixada. Alvarado afirmou ainda que a restituição de Zelaya ao poder "não é viável" e que a única alternativa para o presidente deposto é "enfrentar um processo judicial. Leia abaixo a entrevista. BBC - Houve informações de que manifestantes reunidos em torno da embaixada do Brasil foram retirados do local com violência. A senhora pode confirmar? Martha Lorena Alvarado - Há um toque de recolher desde ontem (segunda-feira). E o toque de recolher significa, em todo mundo, que as pessoas não podem sair às ruas, e Zelaya está convocando as pessoas a ir às ruas. O toque foi respeitado durante toda a noite. Foi dada uma margem (de tempo) para que as pessoas saíssem das ruas, apesar de o toque de recolher ter começado ontem. Então, bombas de gás lacrimogêneo foram utilizadas. Creio que deve haver gente armada entre os manifestantes. BBC - Houve informações de disparos contra a embaixada do Brasil. A senhora poderia confirmar ou desmentir? Alvarado - Não, não. Isso não aconteceu. Os militares sabem que se trata de uma sede diplomática, e o governo também. Apesar de a sede diplomática estar sendo utilizada como quartel-general por Zelaya, que convoca uma insurreição dali, e comprometendo o Brasil. Por isso, esperamos que, nas próximas horas, o Brasil o entregue ou conceda a ele asilo político. BBC - Fala-se de presos, mortos e feridos às portas da embaixada do Brasil. Alvarado - Eu vivo muito perto da embaixada do Brasil, e a única coisa que senti foram os disparos das bombas de gás lacrimogêneo e um pouco de fumaça. Agiram para desalojar essas pessoas. BBC - A senhora descarta que o Exército ou a polícia tenham recebido ordens de disparar contra a embaixada do Brasil? Alvarado - Sim, porque eu estava ali no momento em que o Exército foi instruído. E tenho fé em Deus de que assim seja, de verdade. As instruções eram as normais, que se recebe em qualquer parte do mundo, para evitar fazer vítimas. BBC - Manuel Zelaya garantiu que não pensa em deixar Honduras. A senhora sabe quais são os próximos movimentos políticos do governo interino de Roberto Micheletti diante dessa situação? Alvarado - Ontem, lemos um comunicado da chancelaria no qual se expressava um rechaço absoluto à atitude do Brasil de ter permitido o retorno de Zelaya e de ele estar dirigindo, da embaixada, uma insurgência civil. Essa situação é obviamente complexa, porque ele entrou no país sob proteção do Brasil. E o que se pediu é que o entreguem de imediato às autoridades hondurenhas, para que enfrente o processo judicial que tem pendente em Honduras. Por outro lado, a outra opção que ele teria é obter asilo político. Diante dessa situação, a decisão de Zelaya de continuar no país depende da atitude que o governo brasileiro tomar diante da situação de Zelaya de fazer de sua embaixada um quartel-general. BBC - Qual seria a atitude do governo interino no caso de Zelaya decidir abandonar a embaixada do Brasil? Alvarado - No caso de ele abandonar a embaixada sabe que espera por ele um processo judicial, pelo qual seria preso, porque há uma ordem de prisão e vários delitos pendentes, acrescentados a uma quantidade de delitos que foram descobertos. Então, a melhor forma para ele seria submeter-se a um julgamento e demonstrar, se assim for, que é inocente ou assumir as responsabilidades de sua culpa. BBC - Essa situação ocorre em um momento em que ocorre a Assembleia Geral da ONU e o G-20 estão prestes a se reunir, o governo interino de Honduras está isolado internacionalmente e a comunidade internacional está observando Honduras. Alvarado - Até ontem, foi possível ver que isso está sendo muito bem orquestrado, por tudo que se passa lá nos Estados Unidos. Nós desconhecemos o que está sendo planejado entre o senhor Zelaya e a comunidade internacional. O que, sim, pode ser provado é que a ingerência da Venezuela é evidente em tudo isso e agora, lamentavelmente, a do Brasil também. BBC - Diante das notícias de que milhares de pessoas estão chegando a Tegucigalpa, como o governo interino planeja administrar essa situação? Alvarado - A situação está se agravando e consideramos o governo brasileiro responsável por propiciar um derramamento de sangue que, até agora, não ocorreu. Está atiçando dali uma insurreição civil e a situação se complicou. Há informações precisas para que as Forças Armadas não utilizam mais bombas de gás lacrimogêneo. Mas, à medida que essa multidão vai se exaltando, está armada e conta com recrutadores profissionais treinados por cubanos e venezuelanos, estamos diante de uma situação que pode se tornar dramática. BBC - Os senhores, na medida em que controlam o Exército e a polícia, têm responsabilidade sobre essa situação. Que ordens o Exército está recebendo? Alvarado - Estamos sendo o mais cautelosos, dentro do possível, por convicção, por respeito à lei e à cidadania, e porque o que se quer evitar é um derramamento de sangue, desde o primeiro dia. Tal como se deu com a captura e extradição do senhor Zelaya, quando não houve derramamento de sangue. As instruções são a de um Exército profissionalizado e que compreende qual é sua responsabilidade em relação aos direitos humanos, e que quer evitar a todo custo derramamento de sangue. É difícil quando se começam a ouvir alguns disparos. Mas, antes da chegada de Zelaya, não houve distúrbios. Agora, não se sabe o que acontecerá. E ele faz um chamado para que se viole o toque de recolher. BBC - A senhora acredita que vocês podem perder o controle da situação? Alvarado - Não perdemos o controle porque as multidões são de números administráveis. Cercam um quarteirão ao redor da embaixada e vão até a embaixada dos Estados Unidos. Não tenho informação do que aconteceu durante a noite. Mas são pessoas administráveis por nossas Forças Armadas. Mas, nesse momento, é um problema de ingerência do Brasil em Honduras. BBC - Mas a comunidade internacional condenou o golpe de Estado e o governo de Micheletti. Alvarado - Mas isso não permite a qualquer embaixada que, desde seu território, que é o Brasil, fomente uma insurreição civil. Tudo bem que apoiem o retorno de Zelaya, mas a força não é um forma de fazê-lo. BBC - E qual seria a forma adequada? Alvarado - A comunidade internacional já entendeu que o retorno de Zelaya ao poder não é viável porque a Suprema Corte e o Congresso Nacional, império da lei que governa qualquer país do mundo, o declararam culpado. E, quando se extradita o senhor Zelaya, o que quer se evitar é o que vocês estão vendo agora, uma turba dirigida por ele, uma turba que não é uma maioria. BBC - Zelaya disse estar disposto a dialogar com Micheletti. Qual a posição do governo a respeito? Alvarado - A proposta de Zelaya está condicionada a sua entrega à Justiça, porque há uma ordem de prisão. Essa é a condição à proposta de Zelaya. As pessoas que não têm dívidas com a Justiça não têm qualquer problema, mas o processo contra o senhor Zelaya tem que ser cumprido. BBC - Quando houve a destituição de Zelaya, os senhores contavam com o apoio do Judiciário, do Executivo e dos militares. Agora, que apoio interno tem o governo interino? Alvarado - Nós nos vimos obrigados a tomar uma decisão como essa para garantir o processo democrático que Zelaya estava ameaçando prejudicar, com uma nova reeleição e uma Constituinte. Esse país está sob um Estado de direito, em que a Justiça funciona. E esse é um governo transitório, que não busca permanecer no poder. O único que quer é que sejam reconhecidas as próximas eleições. Essa é a única saída legítima para uma crise provocada por Manuel Zelaya. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. 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