Vida em Bagdá nunca foi tão difícil, diz brasileiro

Para al-Dari, libanês naturalizado brasileiro, antes os ´iraquianos queriam se livrar de Saddam; hoje muitos preferem o regime, de tanto que foram expostos à miséria´

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Por Agencia Estado
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Assim como a maioria dos iraquianos entrevistados na pesquisa encomendada pela BBC e pela rede americana ABC News, o libanês naturalizado brasileiro Aune al-Dari perdeu as esperanças em relação ao futuro do país. Há 27 anos no Iraque, Al-Dari diz que o dia-a-dia na capital, Bagdá, nunca foi tão difícil como hoje. "Temos uma hora de eletricidade e 11 de apagão. Nos hospitais, não existe o mínimo necessário numa situação normal, imagine nesta que nós vivemos. A inflação impede o cidadão iraquiano de fazer qualquer coisa", diz o brasileiro. Apesar de a embaixada brasileira no Iraque funcionar temporariamente em Amã, na vizinha Jordânia, Al-Dari cuida do prédio em que a equipe diplomática trabalhava, fora da área fortemente protegida conhecida como Zona Verde, em Bagdá. "Vou para lá todos os dias, não é muito longe de casa. Vou escoltado por um guarda e um motorista, correndo os riscos." Ele diz que muitos iraquianos fazem o mesmo. "Eles têm de procurar trabalho, têm de sair de casa para sobreviver. Mas aí arriscam a vida por causa das explosões, do engarrafamento nas barreiras - que dura três horas para ir e para voltar - e ninguém sabe se vai voltar para a casa. É uma labuta catastrófica, miserável", afirma Al-Dari. Velhos tempos Na opinião de Al-Dari, se a grande maioria dos iraquianos queria se libertar do regime de Saddam Hussein antes da invasão de 2003, hoje "muitos querem voltar ao regime, de tanto que sofreram, de tanto que foram expostos a uma miséria lamentável". De acordo com a pesquisa encomendada pela BBC, publicada nesta segunda-feira, 19, 47% dos iraquianos entrevistados acham que a invasão do Iraque foi correta, enquanto que 53% acreditam que ela não deveria ter sido realizada. Porém, apenas entre os sunitas, a maioria (58%) gostaria de voltar ao antigo regime, ou seja, é favorável a um governo de um "líder forte", que conduza o país por tempo indeterminado; 43% dos iraquianos querem uma democracia no Iraque. "O governo atual representa uma parte fraca no Iraque, representa mais a vontade dos americanos", diz Al-Dari sobre a gestão do primeiro-ministro Nouri al-Maliki, um xiita. "Para se resolver o problema da violência é preciso um governo secular, laico, que impeça a continuação desta guerra sectária, dos confrontos entre sunitas e xiitas." O representante diplomático explica como consegue se manter longe das disputas entre as duas seitas: "Todos aqui me conhecem e vivo como um deles. Mas o mais importante é não tomar lados." Número de mortos Segundo informações da organização não-governamental Iraqi Body Count, quase metade das mortes violentas de civis, após a fase inicial da invasão dos Estados Unidos e seus aliados no Iraque, ocorreu no quarto ano do conflito, que termina nesta segunda-feira. De acordo com o levantamento da ONG, baseado em reportagens da imprensa internacional, os ataques de morteiros contra civis quadruplicaram de março de 2006 a março deste ano (de 73 para 289), e grandes explosões que deixaram mais de 50 vítimas dobraram neste período (de 9 para 17). O número de carros-bomba e bombas em beira de estradas que resultaram em mortes também foram o dobro do que no ano passado, pulando de 712 para 1476. O Iraqi Body Count fala em 65 mil civis mortos desde o início da invasão do Iraque, mas o Ministério do Interior do país já falou em 150 mil mortos no fim do ano passado e a publicação médica Lancet fez um levantamento que resultou em um número mais de dez vezes maior: 655 mil mortos. Para tentar reduzir a violência na capital iraquiana, os Estados Unidos adotaram há mais de um mês um plano que aumentou o número de soldados e ações policiais na cidade, mas, ao contrário dos americanos, Al-Dari acredita que a medida não vem surtindo efeitos. "Este assunto foi muito comentado pelos americanos aqui no Iraque, mas o plano ainda não teve um resultado positivo, pelo contrário. As coisas estão piorando. As explosões são maiores e os seqüestros continuam. Os cadáveres - torturados e mortos - continuam sendo jogados nas ruas à noite." Na avaliação do embaixador brasileiro para o Iraque, Bernardo de Azevedo Brito, a situação em Bagdá ainda não permite que a embaixada seja transferida de Amã de volta à capital iraquiana. "O custo de ter uma embaixada em Bagdá é elevadíssimo, por causa dos gastos com escolta e segurança para se movimentar na cidade. Além disso, os resultados seriam muito limitados, justamente por causa desta dificuldade de locomoção." Engenheiro desaparecido Diferentemente de Al-Dari, no entanto, Brito, que assumiu a embaixada em setembro do ano passado, diz estar otimista sobre o futuro do Iraque e sobre as relações do país com o Brasil, especialmente na área econômica. "Vou dar um exemplo para explicar o meu otimismo: recentemente foi aprovada a nova legislação de petróleo no Iraque, que resultou de uma negociação muito difícil, que precisava de consenso e conciliação de interesses. Da mesma forma que houve uma solução para um problema tão complicado, outros assuntos podem ter solução", diz o embaixador. Brito também afirma que a busca pelo brasileiro desaparecido no Iraque há dois anos, o engenheiro da Odebrecht João José Vasconcellos Jr., é um assunto permanente em sua agenda. "Sempre que tenho meus contatos, eu procuro levantar, ver se há notícias, interessar entidades que possam ajudar a colher informações. Não posso entrar em muito mais detalhes, porque não seria conveniente", afirma Brito, acrescentando que não há novidades sobre o caso. Já para Al-Dari, Vasconcellos Jr. é apenas uma das milhares de pessoas que foram "mortas à toa" no Iraque. Ele também tem uma explicação para o otimismo do embaixador brasileiro: "O embaixador está em Amã. Ele está longe do problema e lá tem as mesmas informações que qualquer autoridade jordaniana. Tem de vir para cá para pensar numa nova estratégia." include $_SERVER["DOCUMENT_ROOT"]."/ext/selos/bbc.inc"; ?>

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