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Vikings chegaram às Américas quase 500 anos antes de Cristóvão Colombo

Estudando anéis de árvores e usando uma pitada de astrofísica, pesquisadores descobriram que há exatos 1000 anos colonos da Europa estavam na terra que ficou conhecida como Terra Nova e Labrador, no Canadá

Por Katherine Kornei
Atualização:

Seis décadas atrás, um casal de arqueólogos descobriu os restos de um assentamento na ponta norte de Terra Nova e Labrador, no Canadá. As oito estruturas de madeira do sítio assemelham-se a edifícios vikings da Groenlândia, e artefatos arqueológicos encontrados lá - incluindo um alfinete de bronze - são definitivamente do estilo nórdico.

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Os cientistas agora acreditam que este local, conhecido como L'Anse aux Meadows, era habitado por vikings que vieram da Groenlândia. Até hoje, continua sendo o único local conclusivamente identificado como viking nas Américas fora da Groenlândia.

Mas muitas perguntas a respeito de L'Anse aux Meadows permanecem no ar: Quem exatamente preparou isso? Por quê? E, talvez o mais importante, quando o local foi ocupado? Descobrir a idade do assentamento tem sido um desafio - medições de radiocarbono de artefatos de L'Anse aux Meadows abrangem toda a Era Viking, do final do século VIII até o século XI.

Turista fotografa réplica de barco viking em L'Anse aux Meadows, emNewfoundland. Foto: REUTERS (28/07/2000)

Mas em resultados publicados nesta quarta-feira na revista Nature, os cientistas apresentaram o que acreditam ser novas respostas para este mistério. Analisando a impressão de uma tempestade solar rara em anéis de árvore da madeira encontrada no local canadense, os cientistas descobriram quando os exploradores nórdicos estavam em  Terra Nova e Labrador: o ano 1021 D.C, exatamente 1.000 anos atrás.

Conseguir uma abordagem mais precisa sobre quando os vikings habitaram L'Anse aux Meadows é importante, disse Michael Dee, um geocientista da Universidade de Groningen, na Holanda, e um dos autores do estudo. "Foi a primeira vez que o Oceano Atlântico foi atravessado", disse ele, acrescentando que estabelecer datas exatas ajuda a marcar um ponto de virada na história do fluxo humano em torno do planeta.

Para determinar quando o local foi ocupado com maior precisão, Dr. Dee e seus colegas analisaram três pedaços de madeira coletados em L'Anse aux Meadows na década de 1970. Cada peça, originária de uma árvore diferente e ainda com a sua casca exterior, tinha sido cortada de forma limpa com uma ferramenta metálica, talvez um machado. Isso é um indicativo de que a madeira foi cortada por Vikings, disse Margot Kuitems, uma arqueóloga da Universidade de Groningen, e membro da equipe. "O povo local não usava ferramentas de metal", disse ela.

De volta ao laboratório, Kuitems cortou uma pequena quantidade de madeira de cada anel de árvore. “Foi como cortar cabelos”, disse ela. "Usei um bisturi, mas às vezes era muito grosso." Trabalhando nessas amostras - cada uma representando um ano do crescimento das árvores -, a equipe isolou o carbono dentro da madeira, que veio originalmente da atmosfera da Terra. "Está tomado pela fotossíntese", disse Dr. Dee.

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Imagem de microscópio mostra um dos fragmentos de madeira examinados pelos pesquisadores em L'Anse aux Meadows. Foto: Petra Doeve via The New York Times

A grande maioria do carbono na atmosfera é carbono 12, um átomo estável com seis prótons e seis nêutrons. Apenas uma fração é o carbono radioativo 14, também chamado de radiocarbono. Esse isótopo de carbono é produzido quando os raios cósmicos - partículas de alta energia do sol ou além do sistema solar - interagem com os átomos na atmosfera da Terra.

Cientistas que estudam os raios cósmicos costumavam pensar que essas partículas chegaram a uma barragem relativamente constante, o que significa que a proporção de carbono 14 para carbono 12 na atmosfera permaneceu, em grande parte, estável ao longo do tempo.

Mas então, em 2012, os pesquisadores encontraram duas árvores de cedro no Japão que registraram níveis inexplicavelmente altos de radiocarbono em seus anéis, que datam de 774 a 775 D.C. Essa “spike” é conhecida como um “evento Miyake”, por conta de sua descobridora, Fusa Miyake, uma física de raios cósmicos da Universidade de Nagoya, no Japão. Desde então, outros “eventos de Miyake” já foram vistos em registros de anéis de árvores, mas são extremamente raros. "No momento, só temos três ou quatro em todos os últimos 10.000 anos", afirma Dee.

Contudo, recentemente descobriram outro “evento de Miyake” que ocorreu durante a era Viking, em 992 a 993 D.C. Árvores encontradas em todo o mundo registram um aumento no carbono 14 durante esse período, e a madeira encontrada em L'Anse aux Meadows não deve ser exceção. Na esperança de determinar a idade do único assentamento viking confirmado das Américas, o Dr. Dee e seus colegas se voltaram para o improvável casamento da dendrocronologia - o estudo dos anéis de árvores - com a astrofísica. "Percebemos que isso poderia mudar o jogo", disse Dee.

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Os pesquisadores descobriram que todos os três pedaços de madeira exibiram um aumento pronunciado de radiocarbono que começou 28 anéis antes de sua casca externa. O anel 28 deve corresponder ao ano 993 D.C, a equipe concluiu. Eles descartaram “eventos de Miyake” anteriores e posteriores com base nas proporções de carbono 14 a carbono 12 medidas na madeira, que variam de formas conhecidas ao longo dos séculos.

Então, com uma data presa a um anel de árvore interior, "tudo o que você precisa fazer é contar quando você chega à ponta da madeira", disse Dee. Todos os três pedaços de madeira analisados pela equipe foram cortados em 1021, calcularam os pesquisadores.

Até agora, as estimativas de quando L'Anse aux Meadows foi ocupada foram "chutes", disse Sturt Manning, um arqueólogo da Universidade de Cornell e diretor do Cornell Tree Ring Laboratory, que não estava envolvido na pesquisa. "Aqui está uma prova concreta que se liga a um ano."

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Mas L'Anse aux Meadows ainda não mostrou todos os seus segredos, e há muito a ser descoberto sobre seus habitantes vikings, disse Mathias Nordvig, um historiador especializado em literatura e cultura nórdicas antigas da Universidade do Colorado, Boulder, também não envolvido no estudo. "Qual era o seu significado?", perguntou ele sobre o local. "E para onde foram a partir dalí?"

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