Vila rural revive onda de reformas

Xiaogang recebe com ansiedade modernização da agricultura

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Por Cláudia Trevisan
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Yan Deyou tinha 7 anos em 1978, quando seu pai e outros 17 camponeses fizeram um pacto secreto para acabar com a coletivização na vila rural chinesa de Xiaogang e dividir a terra para ser cultivada individualmente por cada família. A lembrança mais marcante que tem da época é a fome a que todos estavam submetidos, o que levou os agricultores a abandonarem o sistema de produção imposto pelo Partido Comunista mesmo sob o risco de serem acusados de "capitalistas". Quase 30 anos depois, Yan Deyou seguiu o exemplo do pai e se tornou pioneiro da nova onda de reformas do campo, que tem o objetivo de reduzir a fragmentação da produção rural e permitir a modernização da agricultura, com a concentração de grandes extensões de terra nas mãos de uma única pessoa ou empresa. Yan Deyou arrenda terras de pouco mais de 20 famílias de Xiaogang e de vilas vizinhas para o cultivo de uvas. No total, são 200 "mus" - a medida para extensões de terra na China -, quase um "latifúndio", considerando que o tamanho médio de cultivo no campo é de 2,1 mus per capita. Como cada mu equivale a cerca de 0,067 hectare, a "fazenda" de Yan Deyou tem 13,4 hectares. À exemplo do que ocorreu em 1978, as experiências realizadas pelos camponeses de Xiaogang acabaram reproduzidas em outras regiões e levaram a mudanças na política nacional em relação à terra. Há três décadas, houve o fim da coletivização e a permissão para que famílias realizassem contratos de exploração individual da terra por um período de 30 anos. Agora, a reforma, aprovada no dia 12 pelo Comitê Central do PC, autoriza os camponeses a transferirem ou arrendarem o direito de exploração da terra para terceiros. "A geração do meu pai resolveu o problema da fome. Hoje todos comem o suficiente e não precisam mais se preocupar com o risco de estarem famintos. Para nós, da segunda geração, o desafio é trazer riqueza para as pessoas, não só comida. Para isso, temos a missão de aperfeiçoar a economia", disse Yan Deyou ao Estado. A transição para o novo modelo é polêmica e muitos vêem na reforma um retrocesso em relação às mudanças no campo realizadas pelos comunistas. Afinal, a possibilidade de arrendamento levará ao ressurgimento de uma nova versão dos odiados "proprietários de terra", que deixaram de existir depois da revolução de 1949. "Eu não sou um proprietário de terra. Um proprietário é dono da terra e contrata pessoas para trabalharem para ele. Eu não sou dono da terra. Eu pago o aluguel e pago pessoas para trabalharem para mim", ressalta Yan Deyou. Mesmo com as mudanças, a terra continua sob controle do Estado. Localizada na Província de Anhui, no centro-leste da China, Xiaogang tem 486 habitantes e uma extensão total de 1.800 mus. Yan Deyou, que cultiva uvas, afirma que a aprovação da reforma dará garantias aos que estão arrendando terras. "Antes, eu estava sempre preocupado em relação à política que seria adotada pelo Comitê Central e tinha medo de não recuperar meu investimento e não chegar a ter lucro." Muitos dos camponeses que arrendam a terra são contratados para trabalhar nos mesmos locais que antes cultivavam de maneira independente. Outro dos pioneiros de 1978, Yan Jin Chang, de 65 anos, aderiu à nova onda em 2005, quando transferiu o direito de exploração de 8 mus para uma empresa. Yan Jin Chang fez um contrato de 20 anos, pelo qual recebeu um total de 32 mil yuans (US$ 4,7 mil). Em seguida, assumiu o posto de gerente do empreendimento, com salário mensal de 800 yuans (US$ 117), o que lhe garante um rendimento anual de 9,6 mil yuans, superior aos cerca de 8 mil que ganhava como camponês. Depois das primeiras experiências, a vila de Xiaogang adotou algumas regras para proteger os interesses de seus moradores. O valor anual dos aluguéis foi fixado em 500 yuans por mu, com reajuste a cada cinco anos. Quem assumir o controle da terra também tem de contratar os camponeses que cederam seus direitos de exploração, o que lhes garante duas fontes de renda. "Acredito que 95% dos camponeses gostam da idéia de arrendar a terra", disse Guan You Jiang, de 62 anos, outro dos 18 pioneiros que deram início às reformas de 1978. Segundo ele, o aluguel dá uma garantia de renda e libera a força de trabalho dos agricultores, que podem buscar emprego nas cidades. A reforma amenizou o rígido sistema de registro de residência em vigor há cinco décadas, que separa a população entre urbana e rural e dificulta a migração dos camponeses para as cidades. A partir de agora, os agricultores poderão conseguir um registro urbano caso tenham um emprego estável. Com as mudanças, o governo espera modernizar a produção agrícola, acelerar o ritmo de urbanização e reduzir a disparidade de renda entre os moradores do campo e da cidade. Do 1,3 bilhão de chineses, 730 milhões (equivalente a 56% do total) ainda vivem na zona rural e receberam menos benefícios do crescimento das últimas três décadas que do que os habitantes das zonas urbanas. Até 2020, a meta é duplicar a renda dos camponeses, que hoje representa menos de um terço da dos moradores das cidades. Isso significa elevá-la para US$ 1,2 mil, o que ainda estará abaixo do patamar de US$ 2 mil vigente atualmente nas zonas urbanas.

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