Coronavírus avança em países com líderes que têm viés populista

Os quatro grandes países onde os casos de coronavírus aumentaram com mais velocidade nas últimas semanas são dirigidos por homens populistas que se consideram anti-elite e anti-establishment.

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Por David Leonhardt e Lauren Leatherby
Atualização:

WASHINGTON - Os quatro grandes países onde os casos de coronavírus aumentaram com mais velocidade nas últimas semanas são Brasil, Estados Unidos, Rússia e Grã-Bretanha. E eles têm algo em comum.

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Todos eles são dirigidos por homens populistas que se consideram anti-elite e anti-establishment.

Os quatro líderes – Jair Bolsonaro, Donald Trump, Vladimir Putin e Boris Johnson – também têm muitas diferenças, claro, assim como seus países. No entanto, todos os quatro são versões daquilo que Daniel Ziblatt, professor de Harvard e coautor do livro Como as democracias morrem, chama de “populismo radical iliberal de direita”.

Muitos cientistas políticos acreditam que esse padrão não é uma coincidência. Os populistas iliberais tendem a rejeitar as opiniões dos cientistas e a promover teorias da conspiração.

Quando Trump encontrou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na Casa Branca pela primeira vez, em março, teceu vários elogios ao líder latino-americano Foto: Kevin Lamarque / Reuters

“Muitas vezes, eles criticam intelectuais e especialistas de quase todos os tipos”, disse Steven Levitsky, que assina o livro junto com Ziblatt. Os líderes, disse ele, “alegam ter um tipo de sabedoria de senso comum que os especialistas não têm. Isso não funciona muito bem em relação à covid-19”.

No Brasil, Bolsonaro demitiu seu ministro da Saúde e pediu repetidas vezes que os estados suspendessem as ordens de quarentena. Nos Estados Unidos, Trump rejeitou a opinião de especialistas ao longo de quase dois meses, dizendo que o vírus desapareceria “por milagre”. Na Grã-Bretanha, o governo de Johnson inicialmente encorajou as pessoas a seguirem nas ruas, mesmo enquanto outros países estabeleciam lockdowns.

Todos os quatro líderes também desrespeitaram as orientações sobre medidas de proteção individual, recusando-se a usar máscara ou continuando a cumprimentar com apertos de mão.

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Ao que parece, o padrão se estende para além desses países. O Irã – país com um líder teocrático supremo – é o quinto em crescimento de casos nas últimas duas semanas entre países com pelo menos 50 milhões de habitantes. Especialistas em saúde dizem que o governo não ouviu os alertas sobre a reabertura precoce. O sexto país da lista é o México, onde o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador, um populista de esquerda, publicou mensagens dizendo que o vírus “no es grave” [não é grave”].

Uma iniciativa acadêmica para rastrear as respostas dos países ao vírus mostrou que os atrasos nas reações dos governos possibilitam que o vírus se espalhe muito mais rápido, disse Thomas Hale, da Escola de Governo Blavatnik da Universidade de Oxford, que coordena a iniciativa. Muitos dos países que estão vivendo surtos graves agora “reconhecem, tardiamente, a urgência da crise”, disse Hale.

Muitas vezes, os líderes que demoraram a tomar medidas mencionaram a necessidade de priorizar o crescimento econômico. Mas o dilema da escolha entre economia e saúde pública talvez não faça sentido, dizem cientistas e economistas: o caminho mais rápido para a normalidade econômica passa pelo controle da propagação do vírus.

“Existe uma falsa tensão entre a saúde pública e a saúde econômica”, disse Wafaa El-Sadr, epidemiologista da Universidade de Columbia.

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Do outro lado do padrão dos populistas iliberais, os países governados por mulheres parecem ter tido mais sucesso no combate ao vírus, como alguns observadores já haviam notado. Alemanha, Nova Zelândia e Taiwan são alguns dos exemplos.

A conexão entre líderes populistas e surtos graves não é perfeita. Viktor Orban, na Hungria, e Rodrigo Duterte, nas Filipinas, também são populistas iliberais, mas reagiram rapidamente. A contagem de casos parece ser relativamente baixa nos dois países. Orban e Duterte usaram a crise como pretexto para reprimir ainda mais os oponentes políticos.

Mas os padrões globais geralmente têm exceções. “De fato, existe um padrão”, disse Levitsky. “Os populistas não gostam de especialistas – não confiam nos especialistas – e um combate ao coronavírus que não leve em conta o conhecimento é mortal”.

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Alguns líderes populistas, como Johnson e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, começaram a levar o vírus mais a sério. Nos Estados Unidos, a resposta de Trump oscilou quase todos os dias e foi enfraquecida pelo sistema federalista, no qual os governadores tomam muitas das decisões.

Ainda assim, Hale acredita que os países populistas vão sofrer mais do que outros.

“Estamos assistindo à onda inicial agora”, disse ele, “mas será uma longa jornada, e minha intuição diz que países com sistemas de governança realmente robustos serão os que terão melhor desempenho no final do processo”. / Tradução de Renato Prelorentzou.

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