Vírus se propaga nos EUA à medida que escolas são abertas assustando pais e autoridades de saúde

Numa rejeição implícita à avaliação feita no início da semana por Deborah Birx, médica que supervisiona a resposta do governo à pandemia, Trump diz que estratégia atual de proteger as populações vulneráveis vem dando certo

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Por Sarah Fowler , Anne Gearan e Rachel Weiner
Atualização:

COLUMBUS, EUA - Mesmo antes de o presidente Donald Trump insistir para seu assessor que administra a pandemia do coronavírus declarar que o país entrou em uma “nova fase” da infecção, pacientes no único hospital para traumas nível 1 do Mississippi já estavam à espera de um leito na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

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“Nossa UTI está cheia há semanas”, disse o médico LouAnn Woodward, vice-reitor do Centro Médico da Universidade do Mississippi em Jackson. “É um problema grave que estamos enfrentando."

O Mississippi, que registra hoje o número mais alto do país em termos de testes positivos, é símbolo da nova realidade da pandemia. O vírus não é mais um problema urbano e está presente em todos os Estados e os infectados com frequência não sabem disto, levando ao que as autoridades de saúde pública chamam de “contagio comunitário inerente”.

Escola ainda fechada em Nova York por conta do coronavírus Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Prova disso é o governador de Ohio, Mike DeWine, que soube que estava positivo para a covid-19 quando fez o teste na quinta-feira antes de um planejado encontro com Trump. O presidente prosseguiu com sua visita à fábrica da Whirlpool. DeWine, o segundo governador que se sabe ter contraído o vírus, está em quarentena.

A situação no Mississippi também vem piorando, como em outras áreas rurais do país, incluindo Alabama, Carolina do Sul e o Central Valley, na Califórnia, lugares onde o vírus vem circulando em grande quantidade a ponto das pessoas, quando infectadas, não saberem quando e como isso ocorreu, e assim o surto não pode ser facilmente monitorado e contido.

Autoridades de saúde do Estado do Alabama, por exemplo, afirmam ter começado a observar o impacto da obrigatoriedade do uso de máscaras, imposta há duas semanas. Mas alguns se preocupam de que a propagação espetacular do vírus seja atribuída ao fato de as pessoas desistirem de realizar o teste uma vez que os resultados demoram dias ou semanas.

“Meu temor é de que, se não houver um declínio de casos no hospital, vamos enfrentar um sério problema quando o número de doentes aumentar com a reabertura das escolas”, disse Don Williamson, presidente da Associação de Hospitais do Alabama. “Espero estar errado, mas não sei como poderia estar errado."

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A abertura das escolas no Alabama implica uma decisão do governo local, mas as autoridades da saúde é que orientam baseadas em parte no risco apresentado no condado. Desde quinta-feira, 44 dos 67 condados do Alabama são considerados de “alto risco” ou “risco muito alto”.

Na Califórnia, a região do Central Valley tem resistido a muitas medidas para reduzir a taxa de infecção e agora é a região mais preocupante do Estado. Na semana passada, o número de casos em Fresno aumentou 41%, mas o de hospitalizados diminuiu ligeiramente.

A maior parte dos infectados é de origem latina, e os latinos formam 40% de toda a população da Califórnia, e hoje constituem a metade dos 530 mil casos de covid-19 no Estado. A região registrou um calor muito forte nos meses de verão no hemisfério norte e é centro de um setor agrícola multibilionário que quase não para.

No fim do mês passado, o governador Gavin Newsom, democrata, anunciou que enviaria “equipes de ataque” médicas e uma ajuda federal de US$ 52 milhões para Central Valley.

Em Ohio, Trump desejou melhoras para o governador, mas não fez muita menção à pandemia. Ele usou máscara quando da sua visita à fábrica e não protestou contra “a praga que nos foi infligida pela China”.

Estratégia certa

Numa rejeição implícita da avaliação feita no início da semana por Deborah Birx, médica que supervisiona a resposta do governo à pandemia, o presidente disse que a estratégia atual de proteger as populações vulneráveis vem dando certo.

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“Nossa estratégia é proteger os que são de maior risco, permitindo que aqueles cujo risco é menor voltem com segurança ao trabalho e às escolas”, afirmou. “Em lugar de um lockdown que nunca termina, causando graves consequências de saúde pública no longo prazo, nós adotamos estratégias baseadas em dados."

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No domingo, Deborah Birx insistiu para os americanos adotarem precauções de saúde extremas uma vez que os casos de covid-19 e as mortes aumentaram drasticamente em todo país, tendo afirmado em uma entrevista para a CNN que “o que estamos vendo hoje é diferente de março e abril”, e observou que os casos vêm subindo nas áreas urbanas e rurais. “Está se propagando de maneira extraordinária”, disse o especialista em doenças infecciosas Anthony Fauci, apoiando a médica na segunda-feira, quando Trump, pelo Twitter, expressou o seu descaso.

Nos primeiros estágios da pandemia nos Estados Unidos, DeWine, que governa o sétimo Estado mais populoso do país, se destacou por sua resposta agressiva à doença, cancelando festivais esportivos, fechando escolas e bares antes de o vírus se propagar demais.

Imagem compartilhada pela estudante Hannah Waters tornou-se símbolo da semana caótica de retorno às aulas nos EUA Foto: Hannah Waters/AP

O governador do Mississippi, o republicano Tate Reeve, pelo contrário, foi lento e inconsistente no seu enfoque da doença, vacilando quanto às atividades que podiam ser abertas e se os governos locais deviam estabelecer regras mais rígidas do que o Estado desejava.

Seu decreto determinando que as pessoas ficassem em casa durou apenas algumas semanas e depois de afirmar que a adoção de máscaras obrigatória seria ineficaz, ele impôs o seu uso esta semana, como também adiou a volta às aulas presenciais para uma parte dos alunos.

“Fui criticado por muita gente, mas adotei a abordagem de uma volta gradual pois acredito firmemente que esta é a melhor maneira de conseguir que um maior número de pessoas participe”, disse ele.

Reeves também afirmou que os dados mostram que o Estado “começa a inverter a curva”. Os casos diários vêm declinando, mas as mortes aumentam, à medida que as testagens são positivas. Nas duas últimas semanas, segundo a Federal Emergency Management Agency, a taxa de casos positivos do Mississippi - 21,7% - foi a mais alta do país.

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Como a quantidade de casos depende do número de testagens, a força tarefa conduzida por Birx tem focado na porcentagem de positivos como indicador chave. Uma alta porcentagem de testes positivos sugere que o vírus vem se propagando na comunidade e um número insuficiente de pessoas vem sendo testado.

“Nossa porcentagem de testes positivos é muito alta”, ela admitiu, mas disse que os dados podem estar distorcidos pelos escassas informações do setor privado.

O Estado reportou mil novos casos na quinta-feira e 21 mortes. Na semana passada foram 7 mil novos casos e 214 óbitos.

Tim Moore, presidente da Associação de Hospitais do Mississippi, insistiu na cautela, citando o problema na UTI. Mais da metade dos leitos de UTI está ocupada com pacientes de covid-19 e somente um quarto do total de leitos estão disponíveis, alertou.

Somente os doentes mais graves acabam na UTI, mas Moore e outros médicos estão de olho no potencial de aumento quando as escolas primárias reabrirem, de acordo com os planos de Reeves.

“Não estou otimista, como também talvez seja o caso do governador. É uma medida ruim abrir todas as escolas neste momento. Já tentou isolar socialmente uma criança na escola? É como manter sapos num carrinho de mão."

Moore disse ser grato ao governador por ordenar o uso de máscaras e espera que a medida seja ampliada por mais duas semanas. Segundo ele, mais pessoas vêm portando máscaras e estão menos resistentes a isto.

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Trump afirmou que máscaras não são necessárias, mas as pessoas deviam usar quando o desejassem. E continua insistindo na reabertura das escolas, ainda que alguns governadores republicanos estejam postergando o retorno.

Com o começo do ano letivo, os pais no Mississippi dizem se deparar com mensagens confusas dos líderes do Estado e a percepção de que o vírus permanece um risco.

No Condado de Rankin, os dois filhos de Emily Frederick devem voltar à escola em 17 de agosto, com horários híbridos, uma parte com aulas presenciais e outra parte online nas primeiras duas semanas, antes de voltarem plenamente à escola. Ela preferiria que as aulas fossem inteiramente virtuais.

“Não tenho medo de que contraiam ou transmitam o vírus, mas estou preocupada de que o vírus se propague pela escola e então vamos ficar sem saber e retornar às aulas virtuais e presenciais”, afirmou.

Carey Wright, superintendente da secretaria de Educação do Mississippi, teve um feedback positivo dos diretores de jurisdições escolares abertas esta semana, mas disse que o futuro é incerto.

Desde a manhã de quinta-feira, a jurisdição de Corinth confirmou que mais de 100 alunos foram colocados em quarentena depois que casos positivos foram identificados. O retorno dos alunos ocorreu na semana passada.

Indagada se espera uma situação similar em outras escolas, Wright afirmou que não ficará surpresa se isso ocorrer. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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