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Visão de mundo nova-iorquina limita presidente

O maior dos problemas enfrentados pelo governo no avanço de sua agenda é o desprezo pelas estratégias políticas e habilidade para atender a todos ao mesmo tempo

Por Ronald Klain
Atualização:

Repórteres em busca do âmago do “trumpismo” costumam viajar para locais como York, na Pensilvânia, ou Youngstown, em Ohio. Lamentavelmente, o verdadeiro caráter de Trump não está no Meio-Oeste industrial, mas em Manhattan, nos almoços de negócios aos quais se vai para ver e ser visto, de pessoas que equiparam riqueza e celebridade à sabedoria. 

A saída do diretor de Comunicações da Casa Branca, Anthony Scaramucci, e a chegada do general John Kelly como chefe de gabinete podem obscurecer essa realidade, mas os seis últimos meses deixaram claro que, no balanço do poder do corredor que liga Boston a Washington, os mestres do universo de Manhattan triunfaram sobre os especialistas em política de Washington e os acadêmicos de Boston.

Analistas ainda não têm certeza se a recuperação dos EUA é momentânea ou consistente Foto: AFP PHOTO / SAUL LOEB

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Com o devido respeito aos meus amigos, é em Nova York que estão muitos dos problemas de Trump. Talvez a concepção de mundo a partir do Four Seasons Grill Room fosse apropriada por dominar os círculos dos meios de comunicação e negócios imobiliários da cidade, mas está se mostrando péssima para fazer com que as coisas funcionem em Washington. Três visões principais da mentalidade da Midtown na Casa Branca ilustram a proposta.

Primeiro, a política é para derrotados: vencedores fazem acordos. O maior dos problemas enfrentados pelo governo no avanço de sua agenda é o desprezo pelas estratégias políticas e habilidade para atender a todos ao mesmo tempo. A estratégia parece coisa de nerds, instável demais e muito tediosa para o presidente e seu grupo. A equipe de Trump, ao contrário, adora fechar acordos.

Assim, não é surpresa que o círculo mais próximo de Trump seja preenchido pelos negociadores – Gary Cohn, Steven Mnuchin, Wilbur Ross, Rex Tillerson e o mais esperto de todos, o genro de Trump, Jared Kushner.

O volumoso portfólio de Kushner – que não faz sentido para ninguém com experiência em governo – pode ser compreendido apenas como uma série de acertos que ele deveria fechar: um acordo de paz no Oriente Médio, um acordo comercial com o México, uma espécie de barganha com a China. O fato de ele não saber nada sobre tais coisas é irrelevante na “Trumplândia”.

O problema é que, no governo, a política realmente importa. Não se alcança a “arte da negociação” a menos que se conheçam as partes do acordo. Mesmo presidentes famosos por não se ater muito aos detalhes – Ronald Reagan e George W. Bush, por exemplo – conheciam seus casos nas prioridades mais básicas – reforma tributária e política educacional, respectivamente.

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Nenhuma sentença representará mais o estado de espírito de Trump, segundo o qual “política não importa”, do que essa icônica frase: “Ninguém sabia que a reforma do sistema de saúde podia ser tão complicada”. Bem, na verdade, sr. presidente, todos que estudaram o tema com algum rigor sabiam.

Em segundo lugar, apenas os “poderosos” importam. Essa característica de Trump vem direto dos membros dos almoços de negócios: se você não “tem um nome”, não conta. Todas as interações mais aprofundadas de Trump como presidente foram com executivos de corporações, generais de quatro estrelas e celebridades. Sua política consistiu em tentar conseguir promessas de empregos de algumas das maiores empresas dos EUA. 

Presidentes de sucesso aprenderam, porém, que há sabedoria fora dos nomes famosos. Por exemplo, o recente evento com “grandes nomes” de criação de empregos em Wisconsin: pequenas empresas e empreendedores do Estado criarão quatro vezes mais empregos por ano que a nova fábrica da Foxconn. Mas Trump não fez nada para acolher tais criadores de empregos “não famosos” ou explorar formas de incentivar seu trabalho. 

Por fim, se você não é rico, você não é inteligente. Trump gabou-se de que confia apenas nos ricos para formular a política econômica. É óbvio que Trump possui respeito especial pelos integrantes mais ricos de sua equipe – Cohn, Mnuchin e Ross, em particular. Isso pode explicar por que Trump descartou a competência de homens e mulheres na comunidade de inteligência, agências de recrutamento e nos funcionários do Escritório de Orçamento do Congresso. Na mentalidade de Trump, se os servidores públicos não são ricos ou famosos, como poderiam ser realmente inteligentes?

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Trump não compreende que funcionários públicos, ativistas, líderes que não buscam lucro e especialistas em política têm contribuições críticas a dar em formação política, mesmo que não possuam as maiores contas bancárias ou as roupas mais na moda. Se você ainda está tentando decifrar como Scaramucci pode ter sido nomeado para o cargo de diretor de Comunicações da Casa Branca, aí está a sua resposta. Deputados e senadores também têm muita competência e perspicácia – e, além disso, muitos mais votos do que qualquer um em Hamptons ou Sun Valley.

Isso não quer dizer que os mais importantes de Nova York não possam dar grandes contribuições a Washington. Nos meus dois períodos na Casa Branca, alguns dos mais habilidosos, mais devotados, mais eficientes altos oficiais vieram da elite de Nova York.

Mas o que todos esses assessores bem sucedidos da Casa Branca compartilhavam era o apreço pelo quanto os detalhes políticos importavam e o quão importante era levar vozes e experiências diversas à mesa – tudo tristemente perdido em meio à panelinha de transações de Trump. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É COLUNISTA

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