Vitória da democracia

Na contramão de colegas da região, Uribe demonstrou heroísmo ao acatar a decisão da Justiça da Colômbia e desistir do 3º mandato, apesar de seus altos índices de aprovação

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Por Aroop Mukharji e Robert Kagan
Atualização:

Há muito pessimismo sobre a democracia hoje em dia e autocratas parecem estar avançando em todos os continentes. Portanto, devemos atentar para casos em que a democracia triunfa sobre as tentações autoritárias.Foi o que se deu recentemente na Colômbia. O presidente Álvaro Uribe insinuou durante algum tempo que poderia disputar um terceiro mandato consecutivo, apesar do limite de dois mandatos estabelecido pela Constituição. Em meados do ano passado, a Câmara e o Senado da Colômbia, controlados por aliados de Uribe, aprovaram uma lei para mudar a Constituição. O passo seguinte e final era um referendo popular em maio para endossar a possibilidade de uma reeleição de Uribe. Se isso soa familiar, é porque é. Foi com um referendo popular que Hugo Chávez da Venezuela instalou-se como virtual presidente vitalício. Mas, no fim do mês passado, o Tribunal Constitucional da Colômbia rejeitou a lei. O referendo está morto - e a democracia da Colômbia vive.Uribe quase certamente seria reeleito se pudese concorrer. Ele é extremamente popular na Colômbia. Venceu o terrorismo e os cartéis da droga e tornou seguras até mesmo as ruas de Medellín. Se alguém poderia justificar um terceiro mandato, esse seria Uribe. E, se o tribunal decidisse pelo referendo, muitos estavam preparados para fazer vista grossa. Felizmente, a corte adotou uma posição diferente, talvez por compreender que um terceiro mandato teria sido ruim para a Colômbia, para o hemisfério e até para Uribe.Mais do que refletir os desejos imediatos do povo, uma democracia bem-sucedida também deve repousar sobre sólidos alicerces institucionais e jurídicos que estão acima de qualquer homem. Especialmente numa democracia nascente, a integridade das instituições é tão importante quanto a vontade do povo. A Constituição colombiana tem só 20 anos e já foi modificada há quatro anos para permitir que Uribe concorresse a um segundo mandato. Se ficasse mais quatro anos no cargo, Uribe acabaria nomeando a maioria da Suprema Corte e dos generais. O terceiro mandato teria aplainado o caminho para Uribe construir um governo em torno de si mesmo.Alguns colombianos traçaram analogias entre Uribe e Franklin Roosevelt, o único presidente americano a ser eleito mais de duas vezes. Nos anos 30 e 40, porém, a democracia americana era solidamente enraizada e inconteste. Um modelo melhor para aqueles candidatos à uma "presidência vitalícia" seria George Washington. Quando a democracia americana era jovem e frágil, Washington optou por limitar seu tempo no cargo a despeito de sua popularidade. Ele compreendeu um axioma fundamental da democracia: o de que há mais de uma pessoa adequada para liderar um país quando há um governo vigoroso. Em vários países, esse princípio foi sacrificado por ambições pessoais.O efeito de um terceiro mandato de Uribe teria repercutido além da Colômbia. A democracia está sendo solapada na América do Sul, onde hiperpresidências e mudanças constitucionais viraram lugar comum. Uribe teria fortalecido uma tendência iniciada por Chávez, engrossada por Rafael Correa, do Equador, Evo Morales, da Bolívia, e tentada em Honduras por Manuel Zelaya.Ao contrário disso, a Colômbia se contrapôs a essa onda de autoritarismo e desferiu um golpe que deve repercutir. Uribe é o herói supremo dessa história. Ele permitiu que o tribunal fizesse seu trabalho sem interferência. Sejam quais forem suas realizações, entre as quais a derrota dos terroristas e o fomento da esperança para os colombianos, sua maior dádiva a seu povo será uma sociedade e um sistema político com base, não no poder e apelo de um indivíduo, mas no primado da lei.É difícil saber qual o papel que Barack Obama jogou em tudo isso. Obama havia privadamente recomendado a Uribe que não buscasse um terceiro mandato, mas o governo havia feito pouca coisa em público. É difícil dizer se isso foi para evitar a aparência da mão pesada. as o governo Obama em breve terá oportunidades de fazer mais. O Egito, por exemplo, é uma democracia apenas de nome, e deve realizar eleições parlamentares este ano. Espera-se que Obama aproveite essa e outras oportunidades para promover o interesse dos EUA num mundo democrático. Nem sempre conseguiremos contar com a disposição de homens poderosos de se colocarem sob o domínio da lei. TRADUÇÃO CELSO M. PACIORNIKPESQUISADORES DO CENTRO CARNEGIE ENDOWMENT FOR INTERNATIONAL PEACE

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