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Vitória russa ou paz frágil são os cenários mais prováveis da guerra na Ucrânia; leia análise

Apesar dos ganhos estratégicos obtidos pelos EUA na primeira semana do conflito, Putin ainda tem vantagem no terreno

Por Ross Douthat
Atualização:

Comecemos com uma observação que soa muito fria. A primeira semana da invasão de Vladimir Putin à Ucrânia foi a melhor semana para a estratégia-maior dos Estados Unidos em muito tempo. 

Antes da invasão, os EUA encaravam o seguinte conjunto de desafios: Primeiro, tínhamos a Ucrânia como um tácito Estado-cliente, mas não como aliado formal, com o qual havíamos nos comprometido suficientemente apenas para tornar o país um alvo tentador para a agressão russa — por consistentes razões estratégicas — mas não o suficiente para protegê-lo. Tínhamos uma série de aliados formais, nossos amigos na Europa Ocidental e Central, dependentes economicamente de recursos russos e nada dispostos a arcar com novos ônus militares. E enfrentávamos uma quase superpotência rival, a China, cujas crescentes ambições no Pacífico requerem recursos e atenção dos EUA, elementos ligados à nossa inabilidade em passar adiante nossas responsabilidades na Europa. 

Equipe de bombeiros se locomove a socorro da população em Kharhiv, segunda maior cidade da Ucrânia; veja três cenários a se considerar sobre a guerra. Foto: Sergey Bobok/AFP

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Agora tudo mudou. Em vez de apenas continuar a cutucar sutilmente os pontos fracos do Ocidente, Putin comprometeu-se de maneira plena — e não golpeou meramente com um soco certeiro que lhe permitiu ameaçar imediatamente Vilna ou Varsóvia, mas com a possibilidade de uma longa guerra de desgaste se ele mantiver suas ambições. 

Ao mesmo tempo, a Europa não está apenas liderando a resposta econômica e financeira; está prometendo dar os passos cruciais que sucessivos presidentes americanos almejaram — começando pelo rearmamento da Alemanha, a pedra fundamental de qualquer esforço para o reequilíbrio dos nossos próprios recursos na Ásia. E ainda que a China sem dúvida perceba vantagens em todo esse tumulto, o espantoso início da guerra de Putin e a resposta ocidental unificada e surpreendentemente punitiva devem amainar ligeiramente suas próprias ambições sobre Taiwan. 

Desafortunadamente, todos esses ganhos em termos de realpolitik ocorrem sob um preço imenso e crescente: o sofrimento e o embrutecimento de ucranianos (e conscritos russos relutantes), o sofrimento econômico de russos comuns e o pequeno mas claramente incrementado risco de um tipo de conflito que arrisque existências — o retorno da névoa nuclear que havia se dissipado com o fim da Guerra Fria.

Então, nossa semana de conquistas em estratégia-maior não significará nada se a instabilidade à solta na Ucrânia não puder ser contida de alguma maneira. E ainda que essa contenção não esteja realmente nas mãos americanas, ajudaria se nossos líderes tivessem alguma noção de que tipo de solução estamos buscando — um ponto em que nosso apoio aos ucranianos, nosso senso sobre nossos próprios interesses e a realidade do poderio russo possam convergir. 

A seguir vão três cenários a se considerar enquanto esperamos que a análise desta semana seja suplantada pelos acontecimentos. 

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Mudança de regime em Moscou

Esta solução, popular em tuítes sonhadores, é altamente improvável, apesar de mais provável do que qualquer um pudesse ter imaginado antes da invasão. Putin pode ser um autocrata em política externa, mas depende domesticamente de uma oligarquia e se escora em certo nível de apoio popular — e há bastante evidência de que sua invasão é fruto muito mais de sua própria obsessão do que resultado de qualquer tipo de consenso. As elites russas são capazes de resistir à turbulência econômica melhor do que os russos comuns, mas não há nenhum motivo para acreditar que lhes agradará liderar um Estado-pária. Então, um futuro em que fracasso militar, descontentamento popular e manobras das elites ocasionem a deposição de Putin e um acordo de paz com um governo russo humilhado não pode ser descartado definitivamente — e em sua forma ideal, deve ser seriamente desejado.

Mas na realidade, por agora, os formuladores de política americanos deveriam tirar isso da cabeça, porque ainda se trata de um cenário de probabilidade extremamente baixa e que absolutamente não pode ser foco da política americana — já que um golpe malsucedido que contenha até mesmo uma leve impressão das digitais americanas agravaria todas as ameaças à nossa existência que encaramos, aumentando as chances de uma guerra terrestre mais disseminada e também de uma guerra nuclear. E isso sem considerar os nefastos cenários que poderiam resultar de um golpe que não seja completamente bem-sucedido, que remova Putin mas mergulhe a Rússia em caos político. (Se alguém sugerir mandar um grupo de talentosos revolucionários num trem blindado para São Petersburgo, esperemos que Joe Biden rejeite a ideia.)

Uma brutal vitória russa e uma opressiva ocupação

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A dura realidade é que, apesar de seus próprios problemas e da heroica oposição ucraniana, os russos estão vencendo a guerra neste momento, ainda tomando território e ainda avançando. Ao mesmo tempo, a ideia de que eles simplesmente pacificarão um país inteiro desperto para a autodefesa com esse Exército, essa escala de força militar, parece ainda mais improvável do que quando a guerra começou. Então, um ambiente com uma guerra de guerrilha sustentada pelo Ocidente e controlada por um governo ucraniano no exílio espreita um futuro em que a Rússia vença a guerra imediatamente. 

Para os interesses americanos a curto prazo, essa situação engendraria muitas vantagens, pois manteria a Rússia amarrada à sua vizinhança, a Europa com foco na necessidade de rearmar-se e alcançar independência energéticas e minaria o governo de Putin gradualmente, sem o risco acarretado por um golpe. Infelizmente, isso também deixaria a maior parte da Ucrânia sob o jugo russo, e os ucranianos lutando e morrendo por anos, talvez décadas. E também, se acabarmos sustentando o isolamento financeiro e cultural que estamos impondo contra a Rússia neste momento, basicamente garantiríamos que o atual alinhamento entre Moscou e Pequim se tornasse um eixo verdadeiro e até mesmo um sistema financeiro e econômico eurasiático em si, com a Rússia como parceiro mais fraco, mas com o poder chinês beneficiando-se imensamente.

Um súbito cessar-fogo seguido de um acordo de paz em termos não totalmente ideais

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Enquanto equilíbrio plausível, pragmático e humanitário, esta é a solução preferível. A questão, porém, é se existem ou não termos que as partes em guerra poderiam aceitar atualmente; ou se a Rússia, tendo superioridade no campo de batalha, e a Ucrânia, sentindo que possui apoio total do Ocidente, inspirarão exageros mútuos que tornem difícil passar do cessar-fogo à estabilidade. 

Considere o seguinte quadro hipotético: Ao longo da próxima semana, a Rússia fracassa em tomar Kiev mas consegue tomar Mariupol, no sudeste ucraniano, estabelecendo controle de um acesso terrestre entre a Crimeia, sob controle russo, e as pseudorrepúblicas secessionistas na região do Donbas — a um ponto em que haja um cessar-fogo verdadeiro e negociações de paz sejam iniciadas. 

Mas quem teria a verdadeira preponderância? Putin ofereceria trocar território que tomou por alguns de seus objetivos de guerra — reconhecimento do controle russo sobre a Crimeia, neutralidade da Ucrânia e um repúdio à adesão do país à Otan. Os ucranianos e seus indignados apoiadores ocidentais ofereceriam pôr fim à guerra econômica contra a Rússia em troca de uma retirada incondicional da Rússia e descartariam a ideia de qualificar a invasão como criminosa em qualquer instância. 

Entre essas desproporcionadas visões da situação, haveria algum acordo a ser alcançado? Ou o resultado provável seria apenas o impasse, um novo conflito congelado, uma Rússia isolada, ferida e perigosa e preparações para uma próxima guerra tanto em Moscou quanto em Kiev? E dentre as variáveis, qual seria a melhor solução para os EUA? A que vincula nossos ganhos estratégicos ao menor custo de vidas humanas e menos perigos a longo prazo? 

Até agora, o governo Biden tem respondido ao teste do advento desta guerra de maneira bastante impressionante, tanto ao reunir apoio a favor da Ucrânia quanto ao permitir que os eventos se desdobrem para o nosso benefício organicamente, sem assumir riscos exagerados. Mas esses benefícios são provisórios e dependem da maneira como esta guerra acabará e que tipo de paz se seguirá — e esses testes ainda estão por vir. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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