BRASÍLIA - A velocidade da queda do governo no Afeganistão, contrariando prognósticos dos Estados Unidos e do próprio país, surpreendeu diplomatas brasileiros com experiência na região e também embaixadores da comunidade internacional.
A desestabilização do país é vista como um problema de grande magnitude na Ásia Central, com repercussões e choques migratórios até a Europa.
O presidente Jair Bolsonaro ainda não fez nenhum pronunciamento a respeito da volta do Taleban ao poder, 20 anos após a invasão dos aliados, liderados pelos Estados Unidos, na esteira dos atentados terroristas de 11 de setembro.
Especialistas do corpo diplomático apontam, reservadamente, que o Brasil não tem interesse estratégico direto a defender no Afeganistão e tampouco possui peso na região, apesar de ponderarem que o País é uma das principais economias do mundo e voltará a ocupar, em 2022, um assento temporário no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O Brasil não tem embaixada em Cabul, e o serviço diplomático e consular é feito desde Islamabad, no vizinho Paquistão, pelo embaixador Olyntho Vieira.
Até o momento, segundo informações do serviço exterior, não há registro de brasileiros em território afegão - e, portanto, não houve mobilização para retirada de nenhum cidadão.
O Itamaraty ainda acompanha por canais diplomáticos os desdobramentos da queda do governo afegão. Briefings internos com os impactos da queda de Cabul e das demais cidades antes controladas pelas forças do governo já foram realizados.
Uma visão corrente entre diplomatas em Brasília é a perplexidade geral – de países diretamente interessados ou não no Afeganistão – com a velocidade da queda das cidades para os militantes radicais do Taleban.
Para eles, um sinal da discrepância entre o que pregavam publicamente os órgãos de política externa das grandes potências, os erros de cálculo de previsões militares e o que de fato se desenrolava "no terreno".
Não houve tempo para impedir que equipamentos e armamentos militares das Forças Armadas locais, abastecidas e treinadas pelos americanos, caíssem nas mãos do Taleban.
Uma das principais movimentações esperadas é o reforço na militarização de fronteira de países do entorno afegão, como Usbequistão, Casaquistão e Tajiquistão, por parte de Rússia e China.
Embaixadores têm conversado entre si para analisar o cenário e temem um aumento do trânsito de radicais islâmicos e de atividades terroristas em regiões de tensão étnica e religiosa na Ásia, como Xinjiang, na China, e Chechênia, na Rússia.
Moscou adotou tom cauteloso e disse que ainda aguardará ações para decidir sobre o reconhecimento ou não do novo regime islâmico, enquanto Pequim disse que pretende continuar com "relações amistosas" com o Taleban, num sinal de reconhecimento.
O premiê britânico Boris Johnson se antecipou e disse que o Taleban não deveria ser reconhecido como governo por nenhum país.
Na diplomacia internacional, porém, pondera-se que alguma potência terá de manter interlocução com os militantes islâmicos do que pretende voltar a ser o Emirado Islâmico do Afeganistão.
O tráfico internacional de drogas também deve ser impactado, porque o Afeganistão é o maior produtor de papoula, cultivo do qual derivam o ópio e a heroína.
Veja o mapa do Afeganistão
O Brasil não assinou, inicialmente, uma declaração conjunta do Departamento de Estado dos Estados Unidos, subscrita por países europeus, pela União Europeia, asiáticos, africanos e vizinhos da América Latina, Chile e Colômbia.
A nota pede que seja "permitida" e "facilitada" a partida em segurança de estrangeiros e afegãos que desejem deixar o país, por aeroportos e fronteiras terrestres. “O povo afegão merece viver em segurança, com proteção e dignidade. Nós, da comunidade internacional, estamos prontos para prestar assistência”, afirmam os países.
Fragilizado politicamente pelos erros na retirada dos militares do Afeganistão, o presidente Joe Biden dará uma declaração oficial na Casa Branca.
Embaixadores estrangeiros no Brasil dão como certo que a migração de refugiados afegãos passe ao Irã e Turquia e que a pressão logo chegue à Europa. No caminho, há grandes áreas sem infraestrutura, desertos e áreas desabitadas.