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Votação leva ansiedade a imigrantes em Londres

Poloneses de Ealing temem que saída da UE cause problemas em relação a documentação

Por Fernando Nakagawa CORRESPONDENTE e LONDRES
Atualização:

Ansiedade é um sentimento que tem crescido entre os imigrantes europeus que vivem no Reino Unido. A poucos dias do plebiscito que definirá o futuro da relação entre britânicos e a União Europeia (UE), a expectativa é percebida nas ruas de Ealing, bairro no oeste de Londres que tem o título de área com maior número de poloneses no país. Lá, prevalece uma pergunta: o que acontecerá conosco caso o Brexit vença? 

Ao lado da estação de metrô, a Mleczko Delikatesy funciona como um pequeno centro da comunidade polonesa de South Ealing. O pequeno mercado vende centenas de produtos do país: de molho de tomate a água e iogurte, tudo é da Polônia. Colados na vitrine, papéis escritos a mão oferecem empregos, quartos para alugar e serviços de inglês a cuidadores de gato. Entre os clientes, o plebiscito virou tema recorrente nos últimos dias. 

Bandeiras da campanha britânica pró-Brexit (saída da União Europeia), emRamsgate Foto: AFP PHOTO / CHRIS J RATCLIFFE

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“Tem sido mais difícil. Há ansiedade na comunidade porque há uma tensão muito grande contra os imigrantes. A campanha eleitoral deixou clara a opinião de uma parte da população sobre os poloneses. Muitos não gostam da gente”, lamenta Sylwia Sandhe, que mora desde 2000 no Reino Unido e trabalha em uma escola. “É uma situação difícil porque eu não posso votar. Se pudesse, votaria no ‘Permanecer’ porque se eu disser não à UE estarei dizendo não para mim mesma”. 

A grande dúvida dos poloneses – especialmente os que chegaram há pouco tempo – é se será assegurada a permanência legal no país em caso de Brexit. A campanha contra Bruxelas não dá respostas a essa pergunta. Como resultado, a ansiedade cresce e um dos sinais é o aumento da procura por serviços para obtenção da cidadania britânica em Ealing. O governo não confirma esse fenômeno, mas os comerciantes da região reconhecem que mais gente tem perguntado. 

A campanha do grupo favorável ao Brexit tem apostado muitas fichas no bordão “Ter o país de volta”. Por trás da frase que se popularizou, está o inegável desejo de reduzir a imigração. Uma pesquisa divulgada na semana passada mostrou a imigração lidera a lista de preocupações dos britânicos com 33% dos entrevistados que dizem que esse é o principal problema do país, segundo pesquisa Ipsos Mori. 

Se a imigração preocupa, os poloneses têm motivos para desconforto: essa comunidade é a maior entre todos os europeus. Dos 2,68 milhões de nascidos na UE que viviam no Reino Unido em 2011, 546 mil pessoas tinham o polonês como língua nativa. Na Inglaterra, essa já é a segunda língua mais falada. 

Desde 2011, o fluxo aumentou. Só no ano passado, o fluxo líquido de imigração mostrou que 330 mil novos estrangeiros se instalaram no país, sendo 184 mil dos países da UE. Boa parte desses estrangeiros está ingressando no mercado de trabalho. Em março, 109 mil poloneses pediram novo cadastro de número de contribuinte. 

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“Britânicos querem proteger o país. Eu entendo. Mas ver todo esse debate me faz querer perguntar: por que não combater a imigração de fora da Europa?”, questiona a agente ferroviário Dorota Cieniuch.

Dados do governo britânico confirmam o quadro descrito por Dorota: desde 2014, a entrada de imigrantes pode ser grosseiramente divida entre metade vinda da UE e a outra metade de países de fora do grupo como China, Índia, Estados Unidos, Austrália e Nigéria. 

O problema é que a tendência dos dois movimentos é completamente inversa. Enquanto a chegada de europeus quase dobrou em dez anos, a entrada de imigrantes de fora da UE caiu em mais de 100 mil por ano ao longo da última década. 

Enquanto espera a votação, Dorota Cieniuch torce. “Estou aqui há 11 anos. Nunca recebi uma libra esterlina em benefícios do governo. Eu melhorei a vida pelo meu esforço próprio e sinto que, como europeia, tenho direito de estar aqui. Mas tenho de esperar e vou aceitar o que acontecerá em 23 de junho”.

OPINIÃO 

Adam Shaw. Dono de start up britânica em Londres:  Livre trânsito traz diversas oportunidades

Adam Shaw, 49 anos, tem uma startup que incentiva empreendedores. Casado com uma polonesa, o empresário inglês votará para o “Permanecer” e diz que a união das culturas europeias e o livre trânsito de pessoas e mercadorias criam oportunidades para quem nasceu em um país como o Reino Unido.

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Qual será o seu voto no plebiscito e por quê?  Meu voto será para permanecer (na UE) porque eu acho que a questão econômica pode ser uma grande preocupação se sairmos. Também sou casado com uma polonesa e acho que é boa essa integração europeia. Seja cultural, política ou econômica. 

O que você acha dos argumentos da campanha pelo “Sair” com a promessa de um futuro melhor fora da UE?  Dizem que os europeus do continente estão roubando nossos empregos. Pois bem. Ao mesmo tempo e por outro lado, eu tenho dois garotos adolescentes que têm uma série de oportunidades em toda a Europa mesmo tendo nascido num país pequeno.

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Você poderia citar uma coisa ruim e outra boa da UE? Uma coisa boa é essa mistura de pessoas. Aliás, isso não vem apenas da Europa. Temos indianos, paquistaneses, africanos e caribenhos. Uma coisa potencialmente ruim é o impacto disso no sistema de saúde. Como temos um serviço gratuito, há espaço para abuso. 

Como a imigração influencia no debate eleitoral? Uns 20 anos atrás você não conseguia nem mesmo conversar com uma construtora porque não conseguiam atender a demanda. Os poloneses vieram, deram o seu melhor e a economia cresceu. Claro que há maçãs estragadas no meio, mas acho que estamos muito melhores agora. 

Omar Abrak. Imigrante argelino radicado em Londres: Estrangeiros dificultam para achar trabalho

Omar Abrak, 38 anos, é argelino e chegou à Inglaterra em 2000. Casado com uma britânica, o cozinheiro votará “Sair” porque não quer tantos imigrantes no país que escolheu para viver. A esposa está inclinada a votar pelo “Permanecer”. “Ela está sendo influenciada pela propaganda do medo feita pelo governo”, lamenta.

Qual será o seu voto no plebiscito e por quê? Eu votarei pelo “Sair” porque há muitos estrangeiros e isso nos afeta no mercado de trabalho. E isso não é racismo ou xenofobia porque eu mesmo sou estrangeiro. Sou argelino, mas tenho a cidadania britânica porque minha mulher é daqui. Estrangeiros vêm aos milhões e tomam os nossos empregos. 

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O que você acha da campanha pelo “Permanecer” que diz que o desemprego aumentará se o país deixar a UE?  Eu acho que acho isso é só um discurso dos políticos. Eles estão falando isso para nos amedrontar. Eu realmente acho que devemos sair da União Europeia e o Reino Unido terá um futuro melhor do que temos agora. 

Você poderia citar uma coisa ruim e outra boa da União Europeia?Uma coisa ruim é exatamente esse movimento de estrangeiros que vêm aqui para tirar empregos. Uma coisa boa? Talvez seja a facilidade que temos de viajar de férias pelo continente. Essa definitivamente é uma coisa boa. As passagens são mais baratas e podemos ir facilmente.

Como a imigração influencia no debate sobre o referendo? Eu acho que muito. Estamos em uma área rica, que é Richmond (bairro no sudoeste de Londres), onde a maioria é de ingleses. Mas há bairros mais pobres onde, às vezes, você entra no ônibus e só ouve estrangeiros falando. 

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