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Artigo: Washington e Moscou reativarão a corrida atômica?

Ainda que seja temerário levar ao pé da letra os comentários do presidente eleito dos EUA no Twitter, chance de escalada existe

Por PHILLIP BUMP
Atualização:

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez nesta quinta-feira um discurso no qual elogiou as operações militares em apoio ao governo de Bashar Assad na Síria e defendeu o fortalecimento militar de seu país. “Precisamos expandir a capacidade de combate das forças nucleares estratégicas, principalmente fortalecendo os mísseis que vão atravessar sistemas de defesa atuais e futuros”, disse ele. Em outras palavras, a Rússia precisa garantir que seu arsenal nuclear consiga impedir interceptações do inimigo.

O principal inimigo que pode interceptar tais mísseis são, é claro, os Estados Unidos e seus aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Russos assistem discurso anual de Putin sobre o estado da nação Foto: REUTERS/Maxim Shemetov

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A linguagem soa como retórica da Guerra Fria: nossos mísseis precisam ser um fator de dissuasão, vistos como ameaça pelos inimigos. Se a Otan e os Estados Unidos estiverem convencidos de que as futuras armas nucleares da Rússia podem ser interceptadas antes de atingir seus alvos, essas armas deixam de ter o poder que é esperado delas.

Não pode haver uma nova corrida nuclear, é claro, sem um adversário para se correr contra. Aí entra o presidente eleito americano, Donald Trump. Na quarta-feira, Trump tuitou que se “encontrou com grandes brigadeiros e almirantes” – uma conversa na qual o tema das armas nucleares pode ter vindo à tona. Mas o mais provável é que Trump, ou alguém de sua equipe, tenha lido o discurso de Putin ou sido informado sobre ele, levando o presidente eleito a responder com o comentário de ontem no Twitter: “Os EUA devem fortalecer e expandir sua capacidade nuclear até o momento em que o mundo recobre a sensatez em relação às armas nucleares.”

Guinada. A tendência desde o fim dos anos 80 tem sido a busca pelo contrário do que o presidente eleito dos EUA defendeu nesta quinta-feira – o mundo tem procurado a redução dos arsenais nucleares mantidos por Washington e Moscou. Os comentários de Trump e Putin sugerem uma possível mudança desse rumo. Não ficou totalmente claro o que Trump quis dizer com “até o momento em que o mundo recobre a sensatez em relação às armas nucleares”. Isso talvez signifique “enquanto a Rússia renova o próprio arsenal”.

Quando se reuniu com editores do Washington Post, em março, Trump manifestou preocupação com o uso de bombas atômicas: “Nossa maior preocupação no que se refere a mudanças climáticas deveriam ser as armas nucleares”. No entanto, ele indicou repetidamente que vê a possibilidade de a corrida nuclear voltar a se aquecer – agora com mais participantes.

Numa entrevista ao New York Times no mesmo mês, Trump disse que o Japão e a Coreia do Sul deveriam ter armas nucleares para contrabalançar a posse dessas armas pela Coreia do Norte. Ele repetiu esse argumento uma semana depois.

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Efeitos. Como sempre, é problemático tomar um tuíte de Trump como indicador de suas reais inclinações. Ele, por exemplo, tuitou que nunca defendeu a posse de armas nucleares por outros países, o que é falso. Também não está claro se “fortalecer e expandir” significa aumentar o número das atuais ogivas nucleares.

Os Estados Unidos preveem gastar cerca de US$ 1 trilhão em 20 anos para modernizar seu arsenal nuclear, em parte porque armas nucleares antigas requerem manutenção de custo significativo. Mas o tuíte de Trump vai contra o que o presidente Barack Obama afirmou em maio, no local da primeira detonação de uma bomba atômica como arma em conflito na história. Em Hiroshima, no Japão, o atual presidente americano propôs “um mundo sem armas nucleares”.

O acesso de Trump ao arsenal nuclear americano foi explorado pelos opositores à sua candidatura. O senador Marco Rubio, republicano da Flórida, disse várias vezes que Trump era “errático” demais para ter em mãos os códigos nucleares. Hillary Clinton utilizou a mesma ressalva para reverter a seu favor as preocupações dos eleitores com o temperamento de Trump.

O risco de Rússia e Estados Unidos terem arsenais nucleares mais robustos é claro: um dia essas armas podem ser usadas. “Armas nucleares deveriam estar fora de discussão”, disse o presidente eleito em entrevista à MSNBC no início do ano. E acrescentou: “Mas é possível que em algum momento elas possam ser usadas”.

Como assinalou Matt Novak, do blog Gizmodo, no Twitter, um documento recentemente liberado que foi encaminhado ao presidente Ronald Reagan em 1982 estimava que 80 milhões de americanos poderiam ter morrido num confronto nuclear com a União Soviética. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É JORNALISTA