Em um dos dias mais tensos desde o golpe do dia 28 em Honduras, o presidente deposto Manuel Zelaya retornou brevemente a seu país, entrando por alguns metros no território hondurenho pouco mais de meia hora antes de retornar para o lado nicaraguense da fronteira. Após permanecer mais de oito horas no posto fronteiriço tentando negociar com a cúpula militar hondurenha para que o deixasse passar como presidente "legítimo" Zelaya, seus seguidores e jornalistas partiram às 20h35 locais (23h35 em Brasília) para a cidade nicaraguense de Ocotal, onde passariam a noite. Um assessor disse que Zelaya poderia tentar voltar hoje novamente. O presidente do governo de facto, Roberto Micheletti, disse que a breve entrada de Zelaya foi um "ato irresponsável" que pôs a vida dos outros em risco e reiterou que ele será preso se voltar a Honduras. Ele também acusou Zelaya de ter tirado US$ 2,6 mil do Banco Nacional. A passagem, no posto fronteiriço de Las Manos, teve lances dramáticos, entre os quais uma negociação entre Zelaya e o comandante do destacamento militar da região - ao qual ele se apresentou como "presidente constitucional de Honduras e comandante-chefe do Exército", exigindo que permitisse sua entrada no país. "Ponha-me em contato com seus comandantes", disse Zelaya ao oficial. "Quero dizer a eles que estou aqui e precisamos trazer de volta a paz para a família hondurenha." Aparentemente para evitar o confronto com a multidão de seguidores que aguardava Zelaya do lado hondurenho, o oficial evitou dar voz de prisão ao presidente deposto. Segundo testemunhas, o comandante recebeu a ordem para não deter Zelaya imediatamente por meio de um telefonema do chefe do Estado-Maior do Exército, general Romeo Vásquez, que retirou o presidente de sua casa na madrugada do dia 28 e o colocou num avião para a Costa Rica. Eleito em 2005 e aliado de última hora do líder venezuelano, Hugo Chávez, ele é acusado de violar a Constituição hondurenha ao tentar realizar uma consulta popular para reformar a Carta, o que, entre outras coisas, abriria caminho para que ele voltasse a se eleger. Micheletti argumenta que a destituição de Zelaya não se tratou de golpe, pois a violação da Constituição causou a perda do cargo. A chancelaria do governo de facto disse que "deplora" que Zelaya "abandone a mediação, declarando-a fracassada, e recorra ao uso da força". A vice-chanceler Martha Alvarado declarou que o governo Micheletti continua comprometido com as negociações e o Congresso se reunirá na terça-feira para discutir a proposta do presidente costa-riquenho, Oscar Arias, para pôr fim à crise. Zelaya havia tentado voltar ao país, em um avião venezuelano, no dia 5. Mas a tentativa foi repelida pelo Exército, que bloqueou a pista do aeroporto de Tegucigalpa. Ainda antes de cruzar a fronteira, Zelaya recebeu telefonemas dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e do Paraguai, Fernando Lugo, que lhe desejaram "sorte" em seu retorno (mais informações na página A14). Acompanhado do ex-líder sandinista e político nicaraguense Éden Pastora, Zelaya disse que respeitava a recomendação do Departamento de Estado dos EUA para que não retornasse ao país, mas afirmou que não poderia segui-la. "Tenho o direito e o dever moral de voltar ao meu país", disse. Zelaya deve viajar para Washington na terça-feira, onde se reunirá com a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Uma multidão de partidários de Zelaya começou a se dirigir para a fronteira com a Nicarágua pela manhã, causando o temor de que a situação se degenerasse em violência na região. Para evitar a concentração de militantes, o governo de facto enviou para as cidades de El Paraíso e Las Manos mais de 10 mil militares. A Carretera Oriental, rodovia que liga Honduras à Nicarágua, foi bloqueada em 18 pontos pelos militares. O governo de facto estendeu o toque de recolher na zona de fronteira, que passou vigorar a partir do meio-dia. No restante do país a proibição se manteria da meia-noite às 6 horas. Zelaya exortou seus seguidores a desacatar o toque de recolher. Um confronto com a polícia em El Paraiso deixou dois feridos. O Exército repeliu as tentativas dos manifestantes de romper os bloqueios com gás lacrimogêneo. Ao mesmo tempo em que Zelaya cruzava a fronteira, outra multidão, agora pró-Micheletti, realizava uma gigantesca manifestação na cidade de San Pedro Sula. "Estamos diante de um quadro de fratura social que há muito tempo não se via em Honduras", disse ao Estado o professor da Universidade Autônoma Javier Valente. "Se esse processo de ódio político não for interrompido logo, as cicatrizes dessa fratura podem levar anos para desaparecer."