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A 'capital das roupas de banho' da China espera impaciente as pessoas voltarem para a praia

Quando a pandemia fechou piscinas e resorts ao redor do mundo, a vida parou na cidade costeira de Xingcheng

Por Raymond Zhong
Atualização:

Talvez não exista outro lugar no mundo mais ansioso, aguardando o verão, do que Xingcheng, cidade à beira-mar pontilhada por alguns arranha-céus. O sol, bebidas geladas. Longos e preguiçosos dias na praia. Mas o mais importante são os maiôs. Xingcheng, cidade fabril na costa nordeste da China, produz maiôs que são exportadas para os Estados Unidos, Alemanha, Austrália e diversos outros países – no total, um quarto dos maiôs no mundo.

Mas quando a China começou a retornar à produção, a epidemia de coronavírus se transformou numa pandemia e o resto do mundo fechou. A demanda pelos maiôs de Xingcheng secou. As fábricas e oficinas chinesas que reabriram – com máscaras, desinfetantes e checagem de temperatura in loco – tinham muito pouco para fazer. Alguns pensaram em fabricar outros produtos – roupas para ioga, trajes de mergulho, sungas para luta livre.

A praia de Xingcheng, uma cidade chinesa que diz que produz um quarto das roupas de banho do mundo, em 11 de julho de 2020. Foto: Giulia Marchi The New York Times

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Mas isto implicava adquirir novos materiais, encontrar novos fornecedores, talvez investir em novas máquinas. Basicamente, começar do zero. “Ninguém estava trabalhando e nem ganhando”, disse Yao Haifu, de 42 anos, que trabalha em fábricas em Xingcheng há mais de uma década. “Ficou difícil”. Yao costura roupas coloridas em neon em sua máquina com muita prática e agilidade. Seus colegas na fábrica se sentam em fileiras diante das máquinas com pilhas de maiôs semiacabados. A retração global atingiu duramente o setor de exportação da China.

As vendas do país para o exterior foram de apenas 0,5% em junho em comparação com o ano anterior, mesmo que a economia em geral venha se restabelecendo com mais vigor. Mas embora as cidades industriais chinesas avancem, Xingcheng deve levar mais tempo para se recuperar. Por todo o globo, piscinas, praias e parques aquáticos vêm reabrindo com cautela. Viagens e turismo ainda não voltaram.

Talvez jamais na história recente houve tão pouca gente necessitando de um novo maiô. E assim, com as vendas na estação de pico já perdidas, as fabricas tentam sobreviver com as poucas encomendas, esperando que os governos do mundo controlem a epidemia. Por temor de agonizar e para as economias se recuperarem. E mais pessoas se aventurarem a entrar na água, ou perto dela, uma bebida na mão.

“É a mesma situação no exterior e aqui no país – não há poder aquisitivo”, disse Hao Jing, comerciante que vende maiôs para compradores internacionais. Xingcheng não é uma cidade particularmente conhecida dentro da China. Mas em 2018 produziu uma quantidade de maiôs num valor equivalente a US$ 2 bilhões, de acordo com a agência oficial de notícias Xinhuma.

Na cidade, há 1.200 fábricas de maiôs, segundo a agência, empregando 100 mil pessoas, ou uma a cada cinco moradores. Yao, com seu rosto largo e o ar juvenil, costura maiôs numa pequena fábrica com cerca de 40 empregados que fica em cima de oficina de automóveis. Ele está mais atarefado do que há alguns meses, quando as encomendas inexistiam. Muitos dias chegou até a fazer hora extra.

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Mas ele acha que a roupa que ajuda a fabricar na maior parte vai para os depósitos e não é vendida de imediato. As marcas de maiôs ainda estão apenas estocando para quando os clientes voltarem a comprar, disse ele. “Quando houver demanda eles podem vender e recuperar o tempo perdido durante este período”. Para a fábrica de Zhao Yang, de 39 anos, que conta com 70 empregados e designers, as encomendas começaram a pingar novamente, embora o trabalho não esteja aumentando. Ultimamente nenhum cliente novo o procurou.

Ainda opera com um enorme estoque de tecido que comprou antes do Ano Novo Chinês, esperando uma grande produção durante a primavera, o que não ocorreu. A maior parte do tempo ele fica em casa com sua família, aguardando o retorno da atividade econômica. “Um ritmo de vida mais lento não é mau”, disse. Qi Lei emprega 10 pessoas em sua fábrica, onde as máquinas industriais cortam o tecido em mesas enormes para fábricas que produzem maiôs.

A fábrica toda está repleta de tecidos em grandes rolos. Por todo o lado há peças de tecido em sacos de plástico gigantescos de todas as cores e padrões, como turquesa, ou estampas imitando pele de cobra ou flores tropicais. O trabalho começa a voltar para Qi – ele vem cortando muitos biquinis, afirmou.

Mas percebe que muitas fábricas na cidade não têm tanta sorte. Alguns trabalhadores ainda estão desocupados em casa. Qi tem orgulho em ajudar Xingcheng a produzir maiôs para o mundo. Mas está preocupado com o futuro do setor. Os jovens não querem mais esse tipo de trabalho, afirmou. Não estão mais dispostos, como seus ancestrais, a trabalhar duro. “Há vinte anos, eram jovens mulheres que trabalhavam neste setor. Hoje elas são mais velhas”, disse ele.

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O setor fabril da China foi criado nas últimas quatro décadas com base na habilidade das pessoas de mudarem e se adaptarem rapidamente. Os habitantes do interior vieram para as cidades dispostas a aceitarem qualquer oportunidade que lhes fosse oferecida dentro das suas capacidades. As demandas do mercado global mudavam rapidamente e era bom não ficar preso a um emprego ou setor.

Hoje, nos cinturões industriais na China a pandemia vem testando essa resiliência novamente. E se o verão chegar e passar e as vendas não decolarem? O que pode ocorrer com Xingcheng? “Supondo que não exista trabalho para mais um ano, acho que vou ter de economizar e me contentar com o que tenho. Não tenho nenhuma outra ideia”, disse Qi. /

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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