LONDRES - Para dominar o palco, os músicos precisam ser figuras extraordinárias. Mas Nakhane entrou quase despercebido em um grande hotel de Londres, em uma noite de domingo, em fevereiro, e ocupou um pequeno espaço em uma poltrona em um canto do saguão.
Touré, 31, cujo nome completo é Nakhane Mavuso e usa o nome artístico Nakhane Touré, vive em Londres desde que deixou a África do Sul, em 2018. "Minha vida sempre foi interior", disse.
Entretanto, a música de Touré é sonora. Sua voz é um toque de trombeta. E seu novo álbum, You Will Not Die, lançado no ano passado, é uma contradição sensual e espiritual, uma luta entre a fé, o amor, a sensualidade e a pátria.
Em seu país, Touré, que é homossexual, foi ameaçado de morte e de condenação. Ele compôs You Will Not Die depois de deixar a igreja, onde pregava uma teologia contrária aos gays. Deixou o país depois de estrelar o filme The Wound, que provocou uma verdadeira fúria por revelar detalhes de uma cerimônia de circuncisão e por mostrar que existe homossexualidade entre o grupo étnico Xhosa.
Apesar de se revelar aos amigos aos 17 anos, e aos 19 à família, Touré dedicou-se inteiramente à igreja. Mas o estresse provocado por negar a própria tendência o levou a um colapso. A certa altura, decidiu partir.
Ele acreditava em seu destino. "Você vai se tornar um dos artistas africanos mais importantes deste país", dizia a si mesmo enquanto estudava em Johannesburg.
O trabalho começou com Brave Confusion, um álbum folclórico de 2013, lançado na África do Sul. Mas foi a ruptura com tudo o que ele conhecia - sua saída da igreja, o período durante o qual morou praticamente na rua - que levou às conquistas emocionais que explora em You Will Not Die.
"As canções são perigosas. A arte é perigosa. E dolorosa. Você faz arte porque sente que deve fazer", explicou.
Apesar de todo o sofrimento e da saudade, You Will Not Die descreve um grande arco até alcançar a alegria. "Nunca mais volte a ter medo, não, nunca mais", é o coro do single "New Brighton".
A coragem de Touré atrai admiradores. Madonna o definiu como um de seus artistas favoritos, e o cineasta John Cameron Mitchell o incluiu em um podcast musical para a rádio intitulado "Anthem Homunculus", que estreará no final de abril. "Ele é o artista mais sensacional do novo renascimento que já vi neste século", afirmou Mitchell.
O cantor voltou a se relacionar com a família e recuperou a espiritualidade - e, talvez, a religiosidade.
"Alguém como eu jamais poderia existir em qualquer outra era senão agora", disse. "O fato de ter um álbum lançado internacionalmente, de ser um negro homossexual diferente, político, que fala o que pensa e faz boa música? A minha existência é milagrosa".