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A vida na era dos grandes vazamentos de dados

Divulgação de informações confidenciais estão em toda parte: para o bem ou para o mal

Por Scott Shane
Atualização:

No mesmo dia em que Roger Stone, um político americano dado a trapaças, foi acusado de mentir a respeito de um importante vazamentos de dados que começou com hackers russos, um grupo de ativistas em defesa da transparência liderados por uma mulher de Boston, postou uma enorme coleção de vazamentos da Rússia. Não foi apenas uma coincidência, mas mostrou uma tendência, uma consequência da tecnologia e um aspecto do nosso tempo. Vivemos em uma era de vazamentos de dados, para melhor ou para pior.

O lado positivo é fácil: nós conseguimos acesso a informações que os poderosos e as instituições querem manter em segredo. O lado negativo é mais complicado: os vazamentos frequentemente violam as leis contra a pirataria ou o roubo e invadem a privacidade das pessoas, nem sempre com objetivos louváveis. Eles podem ser armas poderosas, imprevisíveis, perigosas, e permitir que um país se intrometa nos assuntos de outro.

Documentos de Edward Snowden sobre a Agência de Segurança Nacional levaram o governo dos EUAa estabelecer novos limites na vigilância dos americanos Foto: Adam Maida / NYT

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Nos EUA, os e-mails e documentos do Partido Democrata, pirateados pela inteligência russa e transmitidos pela WikiLeaks cujo principal orquestrador foi Stone, podem ter permitido que uma potência estrangeira ajudasse a eleger o presidente americano em 2016. Entretanto, os novos e amplos arquivos de vazamentos russos, que incluíram os vínculos do governo com a Igreja ortodoxa russa e a administração do Kremlin de sua invasão da Ucrânia, mostraram que, atualmente, também a Rússia é alvo de vazamentos.

Maciços vazamentos tornaram-se a tal ponto comuns no mundo todo que somente os mais extraordinários chamam a atenção. Na África do Sul, uma Comissão de Inquérito sobre o “State Capture” (a manipulação das leis e da burocracia estatal em benefício próprio) é impulsionada pelos “Gupta Leaks”, e-mails que detalham os vínculos da corrupção entre funcionários do governo e o império de negócios da família Gupta. Na Hungria, foi preso um português que admitiu desempenhar um papel fundamental nos “Vazamentos do futebol”, que revelaram transações financeiras desonestas no futebol mundial.

Um terabyte de dados - 100 milhões de páginas ou mil horas de vídeo - agora podem ser compartilhados em um pen drive. Se a informação é poder, há muito poder em um pacotinho mínimo. Normalmente, as companhias anunciam roubos cibernéticos de dados dos clientes, causando problemas burocráticos a milhões de pessoas. Os vazamentos também visam indivíduos com o objetivo de criar embaraços ou extorsão.

Mas os vazamentos com as consequências mais graves são os que têm a ver com o poder político. Os telegramas diplomáticos que Chelsea Manning entregou à WikiLeaks em 2010 revelaram o mundo oculto da diplomacia. Os documentos de Edward Snowden sobre a Agência de Segurança Nacional, compartilhados com jornalistas em 2013, levaram o governo dos Estados Unidos a estabelecer novos limites na vigilância dos americanos. Os Panama Papers, vazados a um jornal alemão em 2015, provocaram investigações sobre evasão fiscal e lavagem de dinheiro em todo o mundo.

De modo geral, estas gigantescas revelações parecem em grande parte benéficas - mesmo que nem todos os diplomatas, funcionários dos serviços secretos e advogados especializados em assuntos fiscais devam aplaudi-las. Mas os grandes vazamentos da era atual não são todos sobre guerra e paz, a ingerência do governo ou a equidade financeira.

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Para os jornalistas, a ansiedade pelo furo pode atropelar o julgamento cuidadoso a respeito do valor das revelações e as questões problemáticas referentes às fontes. E os vazamentos da Sony Pictures - a vingança do líder norte-coreano por causa de um filme insultuoso - que revelaram boatos e segredos de empresas? E os vazamentos de informações pessoais de Ashley Madison.com, que facilita casos extraconjugais?

E o que dizer dos 20 mil e-mails do Comitê Nacional Democrata e mais 20 mil páginas de e-mails enviados e recebidos por John Podesta, o gestor da campanha de Hillary Clinton, a respeito dos quais Stone é acusado de ter mentido? Esta brecha, usada como arma pela Rússia em meio a uma disputa presidencial, ilustra a natureza ambígua das intrusões. Os vazamentos, afinal, não eram desinformação, embora tenham sido obtidos por meios criminosos.

Entretanto, não podem ser separados de quem fez com que acontecessem. Um serviço secreto estrangeiro interveio com uma consequência significativa em favor de um lado das eleições americanas. Imaginemos se funcionários russos tivessem ignorado Hillary Clinton e pirateado e publicado documentos revelando as épicas trapaças de Trump com o fisco e os pagamentos secretos às suas amantes. 

Como seriam vistos os vazamentos dos e-mails democratas se os dados tivessem sido pirateados ou vazados por um americano descontente - uma história fabricada que partidários da Rússia e de Trump quiseram empurrar para a opinião pública em 2016 - sem o envolvimento de uma potência estrangeira? Vale a pena nos determos nestas possibilidades. Os americanos logo poderão tentar a técnica do vazamento, como qualquer estudioso dos truques sórdidos de campanha pode nos informar. Basta perguntar a Stone, que escreveu em seu livro “Stone’s Rules”: “Para ganhar você precisa estar disposto a tudo”.

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