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O que realmente significa o 'acordo de paz' no Afeganistão?

Houve poucas discussões públicas a respeito das condições estabelecidas pelo acordo

Por David E. Sanger
Atualização:

O presidente Donald Trump não deixou nenhuma dúvida quanto ao fato de que a sua principal prioridade no Afeganistão é um tratado de paz que lhe permita afirmar que está cumprindo a promessa de retirar as tropas americanas do país. Mas segundo afirmam vários dos seus ex-assessores de segurança nacional, ele está muito menos interessado em uma verdadeira paz afegã.

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Além do que, isto cria um risco enorme, ou seja, o risco de que, assim como o acordo de paz assinado pelo presidente Richard Nixon com o Vietnã do Norte, em janeiro de 1973, o assinado no dia 29 de fevereiro acelere a saída americana e muito pouco contribua para estabilizar um governo aliado.

Levou dois anos para derrubar o governo do Vietnã do Sul, “Trump não seria o primeiro presidente a exagerar o significado de uma trégua em um ano eleitoral”, afirmou Joseph Nye, cujo livro Do Morals Matter? Presidents and Foreign Policy from F.D.R. to Trump analisa o precedente do Vietnã.

No calor das eleições de 1972, observa Nye, “Nixon anunciou com estardalhaço uma paz iminente no Vietnã”, e foi somente depois de sua reeleição – e renúncia – que a imagem de uma frenética evacuação de helicóptero em Saigon passou a marcar o fracasso de uma longa e dispendiosa experiência americana.

Três sucessivos presidentes americanos prometeram a vitória no Afeganistão. O presidente George W. Bush começou a guerra no para caçar Osama bin Laden depois dos ataques de 11 de setembro de 2001. Entretanto, ele logo voltou suas atenções para o Iraque e tirou recursos do esforço afegão.

O presidente Barack Obama definiu o Iraque como um erro estratégico, mas prometeu não perder a “boa guerra” no Afeganistão. No entanto, com o aumento repentino do número de soldados, não conseguiu desferir o golpe decisivo. Trump há muito tempo lamenta o custo das “guerras intermináveis”, e quando assumiu as negociações diretas com o Taleban, ele sabia que os americanos estavam mais interessados em uma coisa: acabar com a participação do país em uma guerra que se arrasta há mais de 18 anos.

Quando os historiadores olharem para trás, talvez concluam que Washington acabou mais ou menos como outras grandes potências que penetraram nas montanhas e desertos afegãos: frustrado, imobilizado, não mais desejando arcar com os enormes custos. Os britânicos se retiraram em 1842, depois de perder 4,5 mil homens.

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O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, e Donald Trump apertam as mãos no campo aéreo de Bagram, em Cabul, em 28 de novembro de 2019 Foto: Erin Schaff / The New York Times

Eles abriram mão de sua soberania sobre o país em 1919, em outra retirada que foi o prenúncio do começo do afrouxamento do império. Em 1989, a União Soviética abandonou o seu esforço de dez anos para controlar o país, meses antes que a queda do Muro de Berlim marcasse o colapso da superpotência comunista.

O que levou ao vazio de poder explorado por Bin Laden. O ataque liderado pelos americanos começou no dia 7 de outubro de 2001. O país apoiou Bush. Embora alguns advertissem dos perigos de entrar no “túmulo de impérios”, aquela pareceu mais uma guerra pela busca de justiça do que a construção de uma nação.

Depois que Bin Laden foi caçado e morto no Paquistão em maio de 2011, e com a ameaça da Al Qaeda já muito menor, os políticos tiveram trabalho para explicar o objetivo pelo qual as tropas dos Estados Unidos estavam combatendo. Mais de 2,4 mil membros do exército dos EUA morreram desde a invasão, segundo o site ‘icasualties.org’.

Nem Obama nem Trump puderam apresentar uma justificativa plausível ao fato de que, depois de quase vinte anos, os Estados Unidos tinham um grande papel a desempenhar além de apoiar uma democracia fraca. Por algum tempo, é possível que aquele papel pareça continuar.

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Inicialmente, o acordo reduzirá o número de soldados americanos dos atuais 12 mil aproximadamente, para cerca de 8,6 mil. Se o governo afegão puder concluir o próprio acordo com o Taleban – em um chamado processo intra-afegão que deveria se iniciar agora – o número de soldados americanos poderá se reduzir ainda mais, afirmam alguns funcionários.

Mas assim como, há meio século, os sul-vietnamitas foram excluídos das conversações de paz de Paris, o governo afegão foi excluído das longas negociações com o Taleban. Isto explica por que o presidente Ashraf Ghani desconfiava tanto do processo de negociação. Sintomática foi a sua ausência da cerimônia da assinatura em Doha, no Catar.

Houve poucas discussões públicas a respeito das condições estabelecidas pelo acordo. Trump deixou claro que não está particularmente interessado nelas. O Afeganistão deixou de ser a “guerra urgente’ que os americanos precisavam vencer e tornou-se o longo e pesado ônus de que, como os britânicos, os soviéticos e de outros que agora querem se desfazer. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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