Esses algoritmos podem dar fim à doença infecciosa que mais mata no mundo

Na Índia rural e em outros lugares onde a tuberculose é galopante, a I.A. que escaneia raios-X do pulmão podem eliminar o flagelo

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Por Apoorva Mandavilli
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Em alguns dos cantos mais remotos e empobrecidos do mundo, onde abundam as doenças respiratórias e os profissionais de saúde capacitados temem pisar, o diagnóstico é cada vez mais fornecido pela inteligência artificial (IA) e pela internet. Em menos de um minuto, um novo aplicativo em um telefone ou computador pode analisar um raio-X em busca de sinais de tuberculose, covid-19 e outras 27 patologias.

A tuberculose, a doença infecciosa que mais mata no mundo, ceifou quase 1,4 milhão de vidas no ano passado. O aplicativo, chamado qXR, é uma das muitas ferramentas baseadas em IA que surgiram nos últimos anos para rastrear e diagnosticar a tuberculose. As ferramentas oferecem a esperança de sinalizar a doença precocemente e reduzir o custo de testes de laboratório desnecessários. Usadas em grande escala, elas também podem detectar polos emergentes de doenças.

Dra. Ashita Singh com um paciente. Foto: Reena Rajan/The New York Times

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“Entre todos os aplicativos de IA, acho que interpretar digitalmente uma imagem usando um algoritmo em vez de um radiologista humano é provavelmente o mais avançado”, disse Madhukar Pai, diretor do McGill International TB Centre em Montreal. A inteligência artificial não pode substituir os médicos, advertiram Pai e outros especialistas. Mas a combinação de IA e experiência clínica está provando ser poderosa.

“A máquina mais o clínico é melhor do que apenas o clínico e também é melhor do que a máquina sozinha”, disse Eric Topol, diretor do Scripps Research Translational Institute em San Diego e autor de um livro sobre o uso de IA na medicina.

Na Índia, onde ocorrem cerca de um quarto dos casos de tuberculose no mundo, um aplicativo que pode sinalizar a doença em locais remotos é urgentemente necessário.

O Hospital Christian Chinchpada em Nandurbar, uma pequena cidade no noroeste da Índia, atende pessoas da comunidade tribal de Bhil, algumas das quais viajam até 200 quilômetros para visitar o centro. O hospital com 50 leitos tem oito médicos e apenas os mais básicos equipamentos médicos.

Do outro lado do país, Simdega, um dos 20 distritos mais pobres da Índia, está isolado da cidade mais próxima, Rourkela, por quase cinco horas de viagem em estradas esburacadas. A população tribal do distrito vive em pequenos vilarejos cercados por uma floresta densa e sempre verde. O centro médico de Simdega, que tem 60 leitos e três médicos, fica em uma clareira na floresta - "literalmente no meio do nada", disse George Mathew, o diretor da instalação.

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“A tuberculose tende a ser negligenciada e o diagnóstico é frequentemente atrasado”, disse Ashita Singh, diretora clínica do hospital de Nandurbar. Quando as pessoas chegam a esses centros médicos, muitas vezes “estão muito, muito doentes e nunca foram avaliadas em nenhum outro lugar”, disse ela.

Mas, em alguns pacientes, os raios X apresentam sinais sutis demais para serem detectados por um não especialista. “É nesse grupo de pacientes que a tecnologia de IA pode ser de grande benefício”, disse Ashita.

A chegada do novo coronavírus - e o lockdown exigido por ele - isolou esses hospitais remotos das cidades mais próximas, assim como dos radiologistas. Também atrasou e complicou os diagnósticos de tuberculose porque ambas as doenças afetam os pulmões.

O Hospital Missionário Chinchpada, no estado rural indiano de Maharashtra. Foto: Reena Rajan/The New York Times

Há alguns meses, os dois hospitais começaram a usar o qXR, um aplicativo feito pela empresa indiana Qure.ai e subsidiado pelo governo indiano. O aplicativo permite que o usuário faça a análise de um raio-X. Se ele encontrar evidências de tuberculose, atribui ao paciente uma pontuação de risco. Os médicos podem então realizar testes confirmatórios em pacientes com maior risco.

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No hospital em Nandurbar, o aplicativo ajudou a diagnosticar tuberculose em 20 pacientes em outubro, disse Ashita.

Aplicativos como o qXR também podem ser úteis em locais com baixa prevalência de tuberculose e para triagem de rotina de pessoas vivendo com HIV, que apresentam alto risco de contrair tuberculose, bem como para aqueles que têm outras doenças, disseram os especialistas.

“A maioria das radiografias de tórax para pessoas com suspeita de tuberculose são lidas por pessoas que não são nem remotamente especialistas em interpretá-las”, disse Richard E. Chaisson, especialista em tuberculose da Universidade Johns Hopkins. “Se houvesse um pacote de IA que pudesse ler os raios-X e as tomografias computadorizadas para você em alguma sala de emergência remota, isso seria um grande avanço”.

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O aplicativo qXR está entre os aplicativos baseados em IA mais promissores para a detecção de tuberculose. A empresa que fez o aplicativo não percebeu esse potencial até que um médico de um hospital indiano o sugeriu alguns anos atrás.

Em estudos comparando diferentes aplicativos de IA que foram conduzidos pela Stop TB Partnership, todos os aplicativos de IA superaram os leitores humanos experientes e o qXR pareceu se sair melhor.

O aplicativo identifica a tuberculose com uma precisão de 95%, de acordo com o CEO da Qure.ai, Prashant Warier. Mas esse nível de precisão não é baseado em condições do mundo real, que Topol chamou de “um problema comum” com aplicativos baseados em IA. Um programa para identificar a tuberculose pode ser menos preciso nos EUA ou na Europa Ocidental do que na Índia, porque a prevalência da doença é menor nesses locais, acrescentou Topol.

O aplicativo foi testado apenas em adultos, mas agora está sendo usado em crianças de 6 anos ou mais. As radiografias de tórax são particularmente úteis para tuberculose pediátrica porque cerca de 70% dos casos em crianças não podem ser confirmados por testes de laboratório, disse Silvia S. Chiang, especialista em tuberculose pediátrica na Universidade Brown.

“Há uma grande escassez de profissionais capacitados que se sintam confortáveis interpretando radiografias de tórax de crianças”, disse ela, “então, desenvolver e validar tecnologias de leitura de raios-X assistida por computador em crianças ajudaria muito”.

A Qure.ai disse que estava testando seu aplicativo com crianças em Bangladesh e que publicaria os dados no início de 2021. Nesse meio tempo, o qXR e outros aplicativos continuarão melhorando porque aprendem à medida que avançam.

“Quanto mais raios-X ele analisa, melhor fica”, disse Pai. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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