Alteração genética em mosquitos pode erradicar a malária

Pesquisadores descobriram que é possível tornar inférteis as fêmeas de mosquitos que transmitem a doença

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Por Nicholas Wade
Atualização:

A malária está entre os maiores flagelos do mundo. Em 2016, a doença, que é causada por um parasita transmitido pelos mosquitos, infectou 194 milhões de pessoas na África e provocou 445 mil mortes. Mas biólogos desenvolveram agora um meio de manipular a genética dos mosquitos que obriga populações inteiras de insetos a se autodestruir. A técnica se revelou tão bem-sucedida em testes de laboratório que seus autores acreditam que a malária poderia ser eliminada de grandes regiões da África em questão de 15 anos.

Uma equipe comandada pelo biólogo Andrea Crisanti, da Imperial College, em Londres, alterou um gene que perturba o desenvolvimento sexual do mosquito; as fêmeas se tornam inférteis, mas os machos continuam capazes de espalhar o gene debilitante para um número cada vez menor de descendentes. 

A malária pode ser eliminada em partes da África em questão de 15 anos, segundo biólogos que editaram genes de mosquito. Foto: Stefan Wermuth/Reuters

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Crisanti descobriu que populações laboratoriais de mosquitos podem ser levadas à extinção em questão de 11 gerações, informaram ele e seus colegas no mês passado à revista Nature Biotechnology. As populações selvagens podem ser levadas ao colapso em cerca de quatro anos, de acordo com modelos de computador.

A técnica envolve equipar os mosquitos com um vetor genético, um mecanismo genético que leva o gene a todos os descendentes de um organismo (normalmente, a reprodução sexual transmitiria o gene para apenas metade dos descendentes). Os genes transmitidos por um vetor genético podem se espalhar muito rapidamente, o que torna a técnica bastante poderosa e, potencialmente, perigosa. Nenhum vetor genético foi liberado no ambiente selvagem.

Esforços anteriores para reduzir a fertilidade dos mosquitos fracassaram porque surgem mutações nos trechos do DNA estudados pelos cientistas, invalidando as alterações da engenharia. Essas mutações são muito favorecidas pela seleção natural, e permitem que os mosquitos escapem da armadilha genética.

Em vez disso, Crisanti e seus colegas descobriram uma maneira de alterar um trecho do DNA que não varia de um mosquito para o outro. Essa sequência de DNA ocorre num gene chamado duplo-sexo, que determina o desenvolvimento sexual da espécie de mosquito Anopheles gambiae, um dos principais portadores do parasita da malária.

"Não estamos dizendo que esse método seja 100% à prova de resistência", disse Crisanti. "Mas a técnica parece muito promissora".

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Kevin Esvelt, que estuda a evolução dos vetores genéticos no Massachusetts Institute of Technology MIT), indicou que os aspectos biológicos do controle dos mosquitos podem estar perto de uma solução. "Com esse feito, as principais barreiras para salvar vidas deixam de ser as mais técnicas, e sim as sociais e diplomáticas", explicou.

Ainda assim, lançar um vetor genético no ambiente natural é arriscado. Depois de lançado, é impossível retroceder, contê-lo dentro de fronteiras nacionais ou desativá-lo facilmente. Em 2016, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos pediu a realização de testes e uma consulta pública antes que um vetor genético seja lançado.

Coautor do novo estudo, o biólogo Austin Burt, da Imperial College, espera que testes de campo possam ser iniciados na África em cinco anos. A implementação de um programa desse tipo exigiria a liberação de algumas centenas de mosquitos portadores do vetor em cada vilarejo. 

"Não teríamos que implementar o plano em cada vilarejo; talvez 1% bastasse", explicou Burt. A erradicação completa não é necessária, uma vez que o parasita da malária não pode manter suas populações depois que o número de mosquitos ficar abaixo de um determinado número.

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Entretanto, seria desastroso se um vetor de gene duplo-sexo fosse transmitido dos mosquitos para outras espécies, como as abelhas.

"Isso não é possível", afirmou Crisanti. Ele destacou que cada espécie de inseto tem sua própria versão do gene duplo-sexo e da região preservada para o gene, de modo que um vetor genético aplicado a uma espécie não poderia funcionar em outra. Por isso, a técnica poderia ser aplicada a uma série de insetos, cada qual com objetivos individuais.

"Essas sequências podem ser um calcanhar de Aquiles presente em muitos mosquitos e pragas", escreveu a equipe de Crisanti em seu estudo.

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Kevin Esvelt reconheceu que o vetor genético poderia se espalhar para outros insetos, mas disse que o hospedeiro poderia ser outra espécie de Anopheles. "O mal conhecido causado pela malária suplanta em muito todos os possíveis efeitos colaterais ecológicos que foram levantados até o momento, mesmo se todos ocorressem ao mesmo tempo", disse ele.

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