KANSAS CITY, MISSOURI - Todas as semanas, nos nove anos mais recentes, os voluntários se reuniam num parque de Kansas City, Missouri, com refeições caseiras para os sem-teto. Para os participantes, trata-se de um piquenique com os amigos.
Mas, num dia nublado de novembro, uma inspetora do departamento de saúde de Kansas City chegou ao local descrevendo a reunião de outra maneira: um estabelecimento alimentar ilegal.
Ela ordenou que a maior parte da comida fosse colocada em sacos pretos de lixo, reuniu-os no gramado e, num gesto que deixou muitos perplexos, derramou desinfetante no alimento. “Eles nos tratam como animais", disse Allen Andrews, que vive nas ruas há meses.
Uma amarga disputa veio à tona na cidade envolvendo o direito de ajudar os famintos. Batalhas semelhantes surgiram em lugares como Fort Lauderdale e Tampa, na Flórida, e El Cajon, na Califórnia. As autoridades de Kansas City dizem que o objetivo da repressão é proteger os necessitados.
Elas alegam que os estatutos da cidade exigem que grupos como o Free Hot Soup, responsável por organizar os encontros em quatro parques aos domingos, obtenham um alvará de “estabelecimento alimentar", e a cidade não poderia garantir as condições sanitárias de algumas das cozinhas caseiras nas quais o alimento é preparado.
Mas os voluntários do Free Hot Soup e os defensores do grupo disseram que a preocupação higienista da cidade é apenas um pretexto. Para eles, o real objetivo é limitar as reuniões de sem-teto. “É uma política contra a pobreza, contra os sem-teto", disse Quinton Lucas, vereador da cidade.
Nenhum dos lados parecia disposto a recuar. As autoridades municipais disseram que continuariam dispersando as reuniões do Free Hot Soup (embora tenham dito também que não usarão mais o desinfetante).
Depois de serem reprimidos, alguns membros do Free Hot Soup mudaram de tática. Num dos parques, voluntários pediram comida de restaurantes e a dividiram com os sem-teto, método que respeitava as regras da cidade.
Mas os voluntários no Prospect Plaza Park, onde ocorreu o episódio do desinfetante, desafiaram as autoridades, trazendo caçarola de peru e picadinho caseiro.
Troy Schulte, presidente da Câmara dos Deputados de Kansas City, disse que não veria problema nas reuniões do Free Hot Soup se eles obtivessem o alvará exigido, mas reconheceu que as preocupações da prefeitura não se limitavam à segurança alimentar.
“Para muitos moradores, o problema é encarado nos seguintes termos: ‘Bem, eles alimentam os sem-teto, mas agora há muitos deles vagando pelo meu bairro’”, disse Schulte. Por enquanto, boa parte do debate gira em torno do incidente envolvendo o desinfetante.
“Eles fizeram um grande escândalo, e a intenção era nos assustar para que não voltássemos", disse Spring Wittmeier, da organização do Free Hot Soup. “Tenho o direito de ir a um parque público e compartilhar comida.”