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Arábia Saudita amplia direitos das mulheres, contra um sistema opressivo

Mulheres sauditas poderão viajar sem permissão de um homem e receber tratamento igual no local de trabalho

Por Ben Hubbard e Vivian Yee
Atualização:

BEIRUTE, LÍBANO - Algumas mulheres sauditas brincaram dizendo que iriam correndo para o aeroporto - sozinhas. Outras se mostraram aliviadas ao saber que os homens de suas vidas - pais, irmãos ou maridos - não poderiam mais ditar seus movimentos. As redes sociais fervilhavam com imagens de mulheres celebrando.

O júbilo ocorreu recentemente em resposta à decisão do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman de estender novos direitos às mulheres: o direito de viajar sem a permissão de um homem da família, direito de receber tratamento igualitário no ambiente de trabalho e direito de obter documentos da família emitidos pelo governo. 

O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman concedeu às mulheres mais controle das próprias vidas, incluindo a permissão para dirigirem. Foto: Tasneem Alsultan para The New York Times

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Juntos, eles representaram um golpe significativo contra um sistema que há muito trata as mulheres como cidadãs de segunda classe. “Essa mudança significa que as mulheres estão, sob certo aspecto, totalmente no controle dos próprios destinos jurídicos", escreveu no Twitter Muna AbuSulayman, conhecida personalidade saudita.

As novas regras foram o maior golpe já visto contra o chamado sistema de tutela da Arábia Saudita, um antigo emaranhado de leis, regulamentos e costumes sociais que submetem muitos direitos da mulher à vontade dos homens de sua família. Elas vêm na esteira de regras permitindo que as mulheres dirigissem e frequentassem eventos de esporte e entretenimento.

Mas essa abertura social é acompanhada por jogadas mais arriscadas que trouxeram dúvidas em relação ao ousado estilo de liderança do príncipe herdeiro, incluindo a catastrófica guerra no Iêmen, a detenção de dissidentes sauditas e os esforços para silenciá-los no exterior, incluindo o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Ao menos algumas das mudanças na lei de tutela devem entrar em vigor até o fim do mês, de acordo com pronunciamento do governo, embora seja provável que levem mais tempo para chegar aos lares individuais. Ainda assim, a guinada é sensível.

As regras permitindo que as mulheres registrem nascimentos, casamentos e divórcios farão muita diferença para aquelas separada dos maridos e aquelas que precisam enfrentar a burocracia em nome dos filhos, disse Adam Coogle, especialista em Arábia Saudita da Human Rights Watch. A proibição à discriminação no ambiente de trabalho vai impedir os empregadores de exigirem das mulheres a permissão de um guardião para contratá-las, prática comum, embora a lei não exija das mulheres que obtenham consentimento para trabalhar.

Muna disse no Twitter que pensou em se mudar para o exterior para não se sujeitar às leis de tutela. Ela disse que agora a filha mais velha crescerá sem restrições ao seu direito de viajar. “Ela jamais conhecerá esse episódio da vida da nossa nação", escreveu Muna. “Uma geração crescendo completamente livre e em pé de igualdade com os irmãos.”

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Os críticos das leis de tutela celebraram as mudanças, mas pediram ao reino que vá além, permitindo que as mulheres se casem, vivam sozinhas e deixem instalações do governo como abrigos para vítimas de violência doméstica sem o consentimento de seus guardiães.

E eles destacaram a discrepância no anúncio: enquanto o reino relaxa as regras da tutela, mais de dez ativistas sauditas que defenderam uma reforma do sistema seguem detidas sob acusações ligadas ao seu ativismo nas questões femininas. Algumas já estão presas há mais de um ano, submetidas a processos jurídicos envoltos em sigilo, e grupos de defesa dos direitos humanos dizem que elas denunciaram repetidos episódios de tortura e abuso sexual na prisão.

“Enquanto as mulheres ativistas forem julgadas e acusadas por pedir essas reformas, temos que reconhecer que continuamos dentro do mesmo contrato social", disse Lynn Maalouf, diretora de pesquisas no Oriente Médio da Anistia Internacional. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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